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DIA DOS NAMORADOS

Estamos no mês de junho e, além das festas com quadrilha, pamonha, quentão e pipoca, também “comemoramos” o Dia dos Namorados, no dia 12 – data que muitos chamam de Dia Nacional do Motel.

O que vou contar aconteceu há alguns anos já, mas foi tão marcante que nunca mais esqueci. Datas…

Eu tinha mais ou menos 35, 36 anos, um cara mais velho do que a maioria dos meninos que frequentavam aquela boate na avenida Brigadeiro Luiz António, centro de São Paulo*. Havia, claro, muita gente da minha idade e até mais velha do que eu. Aquela era a boate mais bacana da cidade na época – as melhores instalações, as melhores músicas, os melhores DJs, as caras e os corpos mais bonitos estavam lá, sábado após sábado após sábado após sábado. Lembro-me de que, durante os anos em que a “festa” durou, foram pouquíssimas as noites em que não fomos para lá dançar e nos divertir.

Qualquer boate ou reunião de muita gente acaba sendo muito rica em situações, personagens e encontros – consequentemente, torna-se uma espécie de teatro que, se bem observado, constitui um espetáculo de primeira. Basta perguntar ao frequentador de qualquer “balada” (como se diz hoje) se ele se lembra de algum fato marcante: a resposta será “sim”.

Naquele ano, o tal do Dia dos Namorados caiu num domingo, isto é, a passagem do sábado para o domingo coincidia com essa data escolhida para casais comprarem presentes, jantarem à luz de velas, fazerem juras de amor, promessas de fidelidade, planos para o futuro etc. Lembro-me bem de que a boate estava toda enfeitada com cupidos de isopor e cartolina bem desenhados. O gosto era duvidoso, mas vamos lá!

Não fico andando quando estou nesses lugares. Ao contrário da maioria das pessoas, geralmente escolho meu canto e lá fico, saindo somente para comprar alguma bebida ou para ir ao banheiro. Meus amigos, com raras exceções, são assim também.. coisa da idade, acho. Lembro-me como se fosse hoje: eu estava indo ao banheiro e passei por um casal de namorados que falavam bem alto por causa da altura da música. Deveriam ter, no máximo, 23, 24 anos. O que estava encostado à parede chorava muito, o rosto todo molhado de lágrimas e, soluçando, dizia: “Não faz isso comigo hoje! Pelo amor de Deus, hoje, não!”. O outro tentava consolá-lo, mas não era capaz disso. Fui ao banheiro com aquele cena me perturbando. Quando voltei, tentei passar rapidamente de volta ao meu lugar, junto da minha turma. Como havia muita gente, acabei estacando bem próximo ao casal. Eles continuavam ali, do mesmo jeito. Pude ouvir o outro dizer: “Pra que continuar? Não dá mais…”

Aquelas palavras me fazem mal até hoje com se tivessem sido ditas a mim. Fico me imaginando na posição do outro garoto que pedia ao namorado que tivesse a sensibilidade de não terminar o relacionamento naquele dia, naquelas circunstâncias. E minha noite se acabou naquele momento.

Apesar de sua juventude, os garotos protagonizavam ali um drama de gente grande, de adultos que estão acostumados à desilusão porque um já não ama mais, ou porque o outro já não tem mais o mesmo tesão de antes ou ainda porque não veem mais graça no beijo e nas mãos dadas de antigamente. Aqueles dois meninos já provaram tão cedo o que é ferir e ser ferido. Amar e não ser amado por aquele que tantas promessas deve ter feito no começo do namoro.

Lembrei-me da linda e famosa crônica de Paulo Mendes Campos – “O amor acaba”. Ele poderia acrescentar: “E o amor acaba no meio da festa, quando tudo deveria ser alegria. E acaba o amor quando a música bem alta já não é o bastante para dois corpos dançarem juntos, nem as luzes são suficientemente bonitas para colorir uma relação que se tornou cinza e sem brilho”.

Damos muita importância a datas – aniversário, casamento, nascimento, morte,  começo de namoro, primeiro encontro, primeira transa -, e fiquei pensando se a dor daquele menino seria menor se o outro tivesse terminado o namoro numa outra ocasião que não no Dia dos Namorados. Não creio! Constatar que o amor que se sente por alguém virou mão única é terrível em qualquer circunstância. (Mas ainda acho que o outro, aquele que estava terminando o relacionamento, poderia ter demonstrado mais sensibilidade escolhendo melhores lugar e hora…)

Vejo reportagens em televisão, jornal, revista, rádio, internet sobre pessoas que não gostariam de passar essa data sozinhas… não gostariam ou são pressionadas a não passarem sozinhas sob pena de serem tachadas de “incapazes para uma relação”? A “indústria do amor” é mais poderosa do que se imagina. Cuidado com o slogan: “Tudo está bem se você tem alguém” – isso nem sempre é verdade, principalmente se esse alguém for a razão de sua tristeza, mágoa e infelicidade.

Voltando aos meninos, acho que a dor do rapaz seria a mesma em qualquer situação, embora nos sintamos mais vulneráveis em algumas datas, devo admitir.

Quantas vezes encontramos pessoas que tratam nossos sentimentos como coisas e objetos! Quantas vezes faltam respeito e dignidade num relacionamento! Porque namorar não é só transar – é exatamente o que vem depois da transa: respeito, companheirismo, cumplicidade, compreensão e afeto.

Como escrevi no começo do texto, já faz alguns anos que presenciei isso. Talvez o próprio menino nem se lembre mais daquela noite! – porém não creio que um dia eu possa me esquecer do seu rosto bonito, de seus cabelos bem pretos e de seus olhos molhados. Um menino desesperado porque, ali e naquela hora, ele perdia a pessoa que parecia amar.

 

*B.A.S.E. (1999/2002)

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

1 Comments

  1. Thamara Chaim disse:

    Certas coisas nos marcam para sempre, mesmo que não estejam diretamente ligadas a nós. Bela crônica, que nos faz refletir sobre o amor e empatia, e também, sobre como certas datas “mercadológicas” nos envolvem sem que, muitas vezes, percebamos.

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