NOITE
10 de julho, 2019
BLA ÖGON*
13 de agosto, 2019
Mostrar tudo

DESEJO

Boates são lugares de música, dança, alegria, celebração e paqueras superficiais… mas nem sempre. Às vezes, somos profundamente atraídos por alguém de um modo diferente. O que fazer quando isso acontece? Na modernidade, ainda há lugar para a idealização e o flerte ou devemos partir para o tudo ou nada? O romantismo seria uma perda de tempo?  Como agir na era do “Amor Líquido” de que fala o filósofo Zygmunt Bauman?

 

DESEJO

“A incapacidade de escolher entre

atração e repulsão, entre esperanças e

temores, redunda na incapacidade

de agir”. – Zygmunt Bauman

 

Esta boate não é o fim do arco-íris e, eu deveria saber, você não é o pote de ouro no fim dele.

Há muito tempo que te observo… contrariei meu comportamento natural e não me aproximei, embora vontade não faltasse. Talvez eu tenha obedecido a uma espécie de sexto sentido que me sussurrava: “A dor de vê-lo com outro é menor do que a dor que ele poderia lhe causar estando com você… vai por mim!”.

Mas a gente adora insistir em alguns antigos erros. Parece que nossa humanidade consiste nisso, numa sabedoria por vezes esquecida e varrida para debaixo do tapete, quando não queremos prestar atenção ao que nossa experiência vinda do sofrimento nos ensina. Não te perco de vista por dois motivos: a boate não é grande, e você se faz ver por mim. Ah, você gosta de saber que eu te observo e te desejo! Claro que sim! “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar…” mas hoje estou mais para Bruce Springsteen do que para Vinicius de Moraes e Tom Jobim.Bruce tem duas canções nas quais ele descreve a mesma cena, a mesma angústia

 vivida por seus narradores. Numa delas, ele canta: “You´re dancing with him / He´s holding you tight / I´m standing here waiting to catch your eye / Your hands on his neck  as the music sways / All my ilusions slip away (…)” – algo como “Você está dançando com ele / Ele te abraça apertado / Paro e espero para pegar seu olhar / Suas mãos estão no pescoço dele enquanto a música toca / Todas as minhas ilusões se vão (…)”.

Estou cansado de ver você dançando com ele(s). Não apenas dançando. Foram várias as vezes em que isso aconteceu e me deixou perturbado, confesso. Na primeira vez, pensei que eu simplesmente tinha perdido o “timing” e outro havia chegado antes – a lei da selva e das boates. Nas vezes seguintes, comecei a perceber que você gostava dessa situação e desse joguinho. Alguém mais pragmático me dirá: “Mas por que você vai a essa boate, exatamente no dia em que você sabe que encontrará esse cara e ele agirá dessa forma?”. E serei obrigado a admitir o meu lado romântico e (talvez) masoquista ao responder para mim mesmo: “Vou exatamente porque sei que ele estará lá”. Tenho que confessar, porém, um certo orgulho de minha parte ao me manter distante, fazendo de conta que você não me interessa.

Um amigo em comum manda para mim uma foto sua via whatsapp e, por algum tempo, mantenho isso no meu celular. Acabo achando uma bobagem manter a foto quando o que eu queria era você. Deleto a picture.  Ah, os ícones e símbolos do mundo moderno! Não temos a pessoa, mas temos seu celular, seu perfil no Facebook, as fotos do Instagram… a tecnologia nos dá muito pouco, ao contrário do que possam pensar os jovens.

Você não sabe o que está perdendo. Sei que não conheço seu passado, e pode até ser que o amor de sua vida já tenha feito parte de seus dias e deixado você sem disposição para um novo relacionamento. Existem pessoas que amam uma só vez, e você pode muito bem ser uma delas, porém também sei do que eu seria capaz para te fazer feliz. Quantas coisas para descobrir sobre você se eu tiver fôlego e tempo! (Por outro lado, corremos o risco de ter uma conversa que não dure sequer até o fim da noite e, cansados um do outro, nos afastemos como dois homens decepcionados com aquilo que o olhar prometeu e não cumpriu…)

Houve uma noite em que, sozinho em casa e entre almofadas, imaginei você me dando o melhor sexo oral que eu já tive. Terminei aquilo por nós dois e, se você é capaz de fazer o que eu imaginei, então os caras com quem você transa são muito sortudos.  Sei que te idealizo e isso é um perigo. Ah, esse meu meio do céu em Peixes e suas fantasias maravilhosas de um amor perfeito e eterno! Uma astróloga uma vez me disse: “Cuidado pra não fazer vistas grossas pra malícia do mundo…”.

Sei apenas o seu nome – o nome de um grande compositor alemão do século 19… e isso não basta. Há uma música que o DJ insiste em tocar e, não sei por quê, ela me faz lembrar você noite após noite.   

Por quanto tempo ainda vou me interessar por você? Um dia desses, eu me canso e mudo meu foco. Ao mesmo tempo em que sei que isso seria salutar para mim, um sentimento de pena por nós dois  me invade quando penso em vê-lo como uma outra pessoa qualquer naquela boate, uma pessoa que, um dia, fez meu coração bater um pouco mais forte quando olhou para mim e dançou ao meu lado… e que, no futuro, será apenas mais um rosto bonito entre outros tantos que eu vi na multidão.

“Man´s job” – Bruce Springsteen, disco “Human Touch”, 1992.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *