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HOMOSSEXUAIS E O FUTEBOL

Se, como dizem, o futebol é o esporte das multidões, parece que algumas importantes barreiras ainda precisam cair… como resolver, por exemplo, a questão da homofobia nos estádios?

 

HOMOSSEXUAIS E O FUTEBOL

Leio no Estadão de 24 de novembro de 2019 uma matéria intitulada “Torcida LGBT faz da internet sua arquibancada – Após episódios de discriminação nos estádios, gays, lésbicas e transexuais  criam ações afirmativas nas redes sociais”. Bem, logicamente, o ponto central da matéria diz respeito à homofobia sempre presente no meio futebolístico.

Desde muito pequeno, garoto, lá na Freguesia do Ó, bairro da zone norte de São Paulo, sempre ouvi piadas e comentários maldosos sobre homossexuais no futebol. “Futebol é coisa pra macho!” era o que se repetia. Eu era  pequeno, por volta dos meus dez anos, quando comecei a jogar bola com muita paixão e um certo fanatismo (do qual estou curado, graças a Deus!). Minha fixação pelo esporte era tão grande que, no começo de minha adolescência, eu tinha o sonho de ser cronista esportivo e trabalhar em um grande jornal para cobrir Copas do Mundo etc.

Cresci e meu projeto de vida mudou: trabalhei durante alguns anos no próprio Estadão, apesar de não ser jornalista, e aquele período de seis anos, embora muito gratificante, mostrou-me que meu negócio era mesmo a sala de aula. No jornal, aprendi bastante, conheci gente muito especial e alguns grandes amigos que lá fiz continuam em minha vida até hoje.

Voltando ao tema da crônica, eu dizia que a homossexualidade sempre foi um tabu no meio esportivo – não só do futebol. Nossa concepção de que “atleta tem de ser hetero” – sobretudo se for homem – vem de muito longe… e isso não acontece somente no Brasil. Há vários casos de homofobia mundo afora: os atletas sabem que, se “saírem do armário”, poderão estar com suas carreiras condenadas – pelo clube, pelo treinador, pelos próprios companheiros de time e, principalmente, pela torcida. Não sei se alguém suportaria a pressão, por exemplo, nas redes sociais, vinda de torcedores fanáticos e ignorantes como os que vemos hoje.

A matéria do Estadão que citei no começo do texto afirma que esses torcedores temem não só as agressões verbais – como xingamentos e ofensas -, mas também as agressões físicas. O texto afirma que “a homofobia não está presente apenas nos atos explícitos de violência”. E cita a dissertação de mestrado do historiador da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Rodrigues Pinto, intitulada “Pelo direito de torcer”. Segundo o autor, “Ofensas como ‘bambi’, ‘maria’ e ‘galinha’ ou os gritos de ‘bicha’ são interpretadas como piadas ou brincadeiras, mas ninguém aceita para si”.

Na mesma matéria, ainda se lê que “a atuação dos clubes na luta contra a homofobia é tímida”. Claro: que clube vai se expor e associar sua imagem a homossexuais? Que clube gostaria de ser tachado como “O time preferido dos gays”?

Em um universo tão marcado pela força física, é fácil que ao homossexual sejam associadas a fragilidade, a falta de fibra e a falta de masculinidade.

Fico imaginando como os demais jogadores se comportariam no vestiário se vissem, nu, ao seu lado, no chuveiro, um homossexual declarado. A espontaneidade, certamente, seria perdida – e mesmo as brincadeiras “não tão heterossexuais assim” deixariam de existir. Hoje são comuns beijos, abraços, afagos e outros gestos mais calorosos, digamos assim, na hora do gol. No Youtube, são vários os vídeos nos quais se veem compilações desses momentos… como seria a comemoração de gol de um atacante abertamente gay? Ele seria espontaneamente abraçado e beijado por seus companheiros?

Uma vez, trabalhei com um jornalista, já falecido, que me afirmou ter transado com um famoso jogador de Seleção Brasileira no antigo trem de São Paulo para o Rio. Isso nos anos 70. Diante de minha incredulidade, deu-me detalhes até da vida de tal jogador. A noite foi longa… e, pelo jeito, prazerosa.

Há não muito tempo, havia um jogador que todos sabiam ser homossexual, mas que precisava negar, mesmo que as evidências revelassem sua preferência por homens. “Ele se entregava”, como dizemos na gíria, com seu modo de falar e de gesticular. Todos – imprensa, jogadores e dirigentes – faziam cara de paisagem quando o assunto era esse. Era um modo de respeitá-lo, eu acho.

Numa noite, olhei para um rapaz do meu lado na pista de dança de famosa boate gay de São Paulo, e lá estava o jogador, sem camisa, apenas um pequeno calção bem apertado, dançando, bebendo e “fervendo” com os amigos. Achei bacana que ele curtisse sua vida… mas fiquei pensando em quanto devia ser difícil viver no meio de tantos que, como ele, gostavam da mesma coisa – e que deveriam posar de heterossexuais para poderem exercer sua profissão.

Quanto ao público nos estádios, apesar de todos os avanços que temos presenciado, a coisa não vai mudar tão cedo. Que os torcedores tenham sabedoria para preservarem sua integridade física e moral!

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

5 Comments

  1. Baltasar Pereira disse:

    Realmente um Tema muito pouco falado nas diversas Mídias existentes.
    Infelizmente em pleno Século XXI ainda continuam acontecendo vários ou melhor milhares de casos de ataque a Pessoas de outra orientação sexual.
    Tema importante que tem de ser mais vezes colocada e discutida junto ao Público.
    Crônica interessante que nos leva a pensar sobre o Mundo Esportivo.

  2. Bernadete disse:

    Pois é. Muita hipocrisia.
    E desde sempre…

  3. Clarice keri disse:

    Um dia esses preconceitos absurdos, serão extintos, adorei.

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