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“As recordações são o único paraíso do qual não podemos ser expulsos” – Johann Paul Richter (1763-1825), escritor alemão.

 

       O jovem romântico e solitário acordou na manhã ensolarada do domingo de janeiro. Na cabeça, ainda a experiência de sua primeira noite na boate com os amigos. Ele era o mais jovem do grupo. As luzes, as cores, a música, a cerveja (muita!) e os homens. Em particular, um homem!

       Bonito, 47 anos, corpo bem cuidado, carinhoso e gentil. Olharam-se quando foram ao banheiro e, na volta, já estavam conversando. O mais velho gostou do garoto de 16 anos (“Consegui entrar porque aparento ter 18”) e o primeiro beijo não demorou muito. Abraços, carícias, algumas confissões, um pouco de conversa, um pouco da história de vida de cada um. O homem era casado: aproveitara a ida da esposa para a praia com os filhos (dois) e dera uma “escapada” na noite de sábado.

       De alguma forma, aquilo deixou o garoto excitado. O proibido, o inusitado, a transgressão. Um homem bonito, mais velho, casado e a fim dele! Noite perfeita.

       Entre beijos e abraços no canto da boate – os amigos foram esquecidos no meio da pista -, o homem pediu o telefone do garoto. Rapidamente, o outro disse que sim, que adoraria vê-lo fora dali. Quem sabe no próprio domingo, já que o homem estaria sozinho na cidade… O outro riu da ansiedade do rapaz. Anotou o telefone em seu celular e continuaram o namoro ali mesmo. “Eu ligo pra você.”

       O rapaz até que esperou um convite para irem embora, mas o homem mais velho não o fez. Ficaram ali por cerca de três horas, curtindo-se, abraços e beijos intermináveis. O rapaz nas nuvens. Que homem era aquele?

       Às 4h da manhã, o rapaz ouviu que o outro tinha de ir embora. Estava cansado, tinha algumas coisas para fazer na manhã de domingo, mas ligaria assim que estivesse livre. Seria um domingo delicioso! Só os dois para reprisarem aquela noite deliciosa. Despediram-se, o homem mais velho com a promessa de ligar para o rapaz. O rapaz, por sua vez, com a expectativa de um dia inesquecível.

       Quando voltou pra pista, os amigos foram unânimes em falar de sua boa sorte. Primeira vez numa boate e já arranjara um bonitão daquele! Que coisa! Houve um no grupo que não gostou quando soube que o cidadão era casado. “Não sei, não. Roubada”. Mas o rapaz não queria saber de lógica – queria saber de sentir. Ficaram até as 5h da manhã.

       Quando acordou, a primeira coisa foi olhar o celular. Ainda era cedo – 9h. Dormira pouco. Dor de cabeça. Um pouco de ressaca. Acordou no apartamento que dividia com os outros três amigos. Todos dormindo ainda. Ele foi à cozinha, abriu a geladeira, pegou o pão de forma, a manteiga, a caixa de leite e sentou-se sozinho à mesa da cozinha espaçosa. Cortou uma fatia do bolo que um dos meninos havia feito um dia antes. Lembrou-se de que tinha de ligar para os pais na cidade pequena do interior. Fazia isso aos domingos. Faria isso mais tarde. (Contra a vontade da mãe, viera a São Paulo para estudar e trabalhar. Não queria mais voltar…)

       Enquanto comia, diante do computador, ali mesmo na cozinha, pensou em escrever alguma coisa e postar. Queria expressar, precisa expressar o que estava sentindo naquela manhã depois de uma noite tão boa! Abriu a janela da sala, onde havia apena um sofá, uma TV e uma mesa com quatro cadeiras. Deixou a luz do sol clarear tudo e foi pro Face.

Entre uma fatia e outra de pão, pôs a escrever o que lhe vinha à mente e ao coração:

“Hoje, acordei tão cedo e sentindo tanto sua falta, que resolvi te procurar…

E te procurei nas calçadas, nas ruas, nas lojas, nos bares, no metrô, nos carros que passavam por mim…

Procurei você nas rodas de rapazes na hora do almoço, nas portas dos cinemas enquanto eu via os cartazes dos filmes…

E procurei você sob a chuva e depois que o sol voltou… procurei você tanto e em tantos lugares que, por momentos, pensei estar fora do meu juízo…

Tudo o que eu queria era voltar no tempo e poder senti-lo olhando para mim, no meio de tanta gente, a música alta, as luzes coloridas…

Trabalhei bastante, o dia passou e, coincidência das coincidências, a música que toca no rádio agora é uma das que tocaram na noite em que nos conhecemos.

Preciso dizer que passei todo o tempo fantasiando que encontraria você em alguma calçada, sério como naquela noite?

Será preciso dizer que fui olhando para os rostos dos homens que passavam por mim, não para flertar com eles, mas para achar o seu rosto, o seu sorriso, a sua boca e os seus olhos?

Foi somente no fim do dia – bem quando as luzes da cidade se acendiam – que eu me dei conta de que, pelo menos por enquanto, só há um lugar em que posso achar você: aqui dentro, na minha memória, na lembrança de uma noite na qual eu tive o prazer de encontrar uma pessoa linda como você!”.

Terminado o texto, a galera começou a se manifestar. Elogios, comentários emocionados, gente que acordava naquela hora, gente que nem havia ido dormir, gente que o rapaz nem conhecia direito… a manhã de domingo estava radiosa, iluminada, sol forte de verão brilhando no céu da metrópole. O rapaz, depois da última fatia de bolo, foi tomar um banho antes que os outros acordassem e o banheiro ficasse intransitável. Deixou o computador sobre a mesa e foi para o quarto.

Assim que terminou o banho, o olho no celular: quem sabe o bonitão da noite anterior o chamasse para um almoço ou mesmo para comer uma pizza naquela noite de domingo? Ele iria, claro!

A manhã veio e passou; a tarde chegou também e os quatro rapazes resolveram comer algum “fast food” na lanchonete perto do prédio. Desceram todos com o apetite característico da juventude.

Risadas, hamburgueres, refrigerantes, sorvetes, mensagens nos celulares, mais risadas, sorvete para todos e a vontade de voltar pra cama depois da comilança. Alguém deu a ideia: “Que tal uma boate, hoje, das 9h à meia-noite? Topam?”. Toparam.

Subiram ao apartamento. No elevador, todos de olho nos respectivos celulares. Elogios para o texto do amigo. O rapaz ficou contente, meio tímido, mas feliz. No fundo, só pensava no homem da noite anterior.

       Foi para seu quarto, pensando em sua primeira noite numa boate. Deitou-se na cama e ficou olhando para o telefone em sua mão. Entre centenas e centenas de curtidas, ele sentiu a falta de uma; uma que seria especial e mais apreciada que todas. Uma curtida que, obviamente, jamais viria… como o telefonema – que também não veio.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

4 Comments

  1. Fernando de Souza Andrade disse:

    Tem certas situações em nossas vidas em que realmente, só se vive uma vez. Me lembro quando ainda morava em Florianópolis, fui a boate Concorde. Num certo momento me deparo com um coroa. Ele
    era grande, parrudo, como dizemos no meio gay, argentino, casado, aproveitou que a esposa estava no Rio de Janeiro, para sair e conhecer o lugar. Dividimos o tempo que ficamos entre um bate-papo em meio a música alta, alguns passos de dança, e alguns beijos. Não tive a troca do número do telefone, mas em algumas idas posteriores àquele lugar, aesperança de encontrá-lo de novo, me acompanhava.

  2. Clarice keri disse:

    Pois é, às vezes, nossas recordações é só o que temos, texto ótimo, adorei, obrigada.

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