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OS HOMENS DOS BEST SELLERS

      Nem sempre fui leitor de grandes autores da nossa literatura e da literatura estrangeira. Foi só com a maturidade – e acho isso natural – que enveredei pelos caminhos dos grandes livros, dos grandes clássicos. Sempre achei e acho que há um momento certo para se ter contato com grandes escritores. Apresentar Guimarães Rosa para uma criança é querer que o pequeno ou a pequena nunca mais abram um livro do escritor mineiro. Tudo tem a sua hora. Claro que a leitura deve ser estimulada desde cedo, mas respeitando-se a idade de quem vai ler.

      Bem, quando eu era adolescente, alguns escritores estrangeiros “bombavam” com a moçada. Estou falando de uma época pré-internet, com meia dúzia de canais abertos na TV e uma programação nem sempre muito atraente para os jovens. Quem gostava de ler e não tinha grana para comprar livros adorava as bibliotecas circulantes, onde fazíamos uma matrícula – com RG ou carteirinha da escola e um comprovante de endereço (podia ser uma conta de luz, de água etc.) – para podermos pegar três ou quatro livros por semana, desde que devolvidos os que já havíamos retirado.

      A ida à biblioteca já era um evento pra gente! Às vezes, íamos numa tarde qualquer, mas o mais comum eram as manhãs de sábado. Juntar-se a dois ou três amigos, ir à biblioteca, perder-se deles entre as estantes, escolher livros e passar pelo atendente para que ele registrasse nossa retirada. Como era gostoso! Depois, chegar em casa, empilhá-los e escolher o que seria lido primeiro. Acontecia também de alguns serem para leitura obrigatória na escola, mas aí normalmente eram os clássicos de nossa literatura. Não é desses livros que falo aqui. Falo dos chamados “best sellers”, que a crítica especializada sempre detonou e que o público sempre adorou.

      Nós, jovens, íamos atrás de boas histórias, mas também de romances apimentados com longas descrições de cenas de sexo que povoavam nossas mentes e despertavam em nós muito interesse, simplesmente porque éramos inexperientes e não se falava disso em casa… de jeito nenhum. E tudo o que é proibido desperta ainda mais a curiosidade!

      Como me esquecer de uma grande amiga com a qual eu conversava muito – e com quem converso até hoje sobre livros, filmes e a vida? Clarice era, já, uma grande cúmplice, uma dessas almas gêmeas que a gente conhece na vida e que nos acompanham nos momentos felizes e nos tristes. Um pouco mais velha do que eu, quando a conheci ela já tinha carro e era suficientemente generosa para nos dar carona até a biblioteca da Cruz das Almas, bairro vizinho da Freguesia do Ó, onde morávamos.

      Era sempre uma farra entrar no seu Fusca branco, pedir para que ela pusesse uma fita K-7 gravada e começar a contar as novidades. Frequentemente, eu lhe indicava livros e ela fazia o mesmo. Na verdade, a moçada falava o que tinha achado de determinado romance e, assim, o autor ou autora despertavam nosso interesse ou nossa rejeição. Nosso critério de escolha era injusto, reconheço. Ah, juventude!      

        Lembro-me de dois escritores que eram os campeões para mim e para alguns amigos – Harold Robbins e Sidney Sheldon.

      Harold Robbins, me informa a Wikipedia, nasceu em Nova York, em 1916, e morreu em Palm Springs, em 1997, aos 81 anos. Lembro que devorávamos os livros dele cujo valor literário era mínimo, claro, mas que traziam enredos recheados de sexo e crimes passionais, além de dramas pessoais como alcoolismo, drogas e solidão. Se bem me lembro de suas tramas, elas se passavam geralmente na alta sociedade americana. E eu ficava imaginando aqueles homens na Quinta Avenida de Nova York, bem vestidos, elegantes, bonitos, senhores de si e sempre prontos para o sexo com mulheres igualmente atraentes.

      A gente viajava na história e nas “cenas proibidas”, principalmente porque nunca tínhamos saído do país e éramos jovens da periferia, de famílias simples. Aquele mundo de jatos particulares, mansões à beira-mar e escritórios em arranha-céus nos fascinava. E eu ficava secretamente pensando nos personagens masculinos, idealizando-os na minha cabeça e achando impossível que, um dia, eu encontrasse um homem como aqueles. “Cuidado com o que você deseja…”, diz o ditado. A vida seguiu, e acabei conhecendo alguns que me mostraram um pouco desse mundo – inclusive nos Estados Unidos!

      Vários títulos desse escritor me vêm à cabeça enquanto escrevo: “Ninguém é de ninguém”, “79 Park Avenue”, “Os insaciáveis”, “Escândalo na Sociedade”, “O garanhão”, “O machão”, “Os libertinos”, “A mulher só”. Tudo isso, a gente leu e compartilhou.

        Outro muito lido por nós foi Sidney Sheldon. Segundo a Wikipedia, Mr. Sheldon nasceu em Chicago, em 1917, e morreu em 2007, na cidade de Rancho Mirage (na Califórnia). Tido como o escritor mais traduzido do mundo pelo Guinness (o livro dos recordes), o americano já fazia sucesso entre nós por ter criado séries televisivas como “Jeannie é um gênio”, “Patty Duke” e “Casal 20”. Isso tudo, sem contar os roteiros que fez para o cinema, em filmes premiados como “O solteirão cobiçado”, com Cary Grant e Mirna Loy, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original, em 1947.

      Mas eram os seus romances que mais faziam sucesso com a gente! A exemplo de Harold Robbins, eram histórias repletas de sexo e dramas como adultério e drogas, busca desenfreada pelo poder e pela fama, também com personagens marcantes – principalmente as femininas – e com enredos que prendiam nossa atenção. Na nossa imaturidade, não avaliávamos a qualidade do livro, mas a capacidade do autor de nos contar histórias sedutoras e “picantes”.

      O primeiro que li foi “O outro lado da meia-noite” – a história de duas mulheres que nunca se encontram efetivamente, mas que dividem um homem inescrupuloso e ambicioso. E eu ficava pensando no piloto americano, o bonitão Larry Douglas, que trai Catherine com a francesa Noelle Page, chegando a planejar a morte daquela. Por um bom tempo, sonhei com o gostosão durante a minha adolescência.

      Na esteira desse livro, vieram outros romances do mesmo autor: “A outra face”, “A herdeira”, “A ira dos anjos”, “Um estranho no espelho”, “O reverso da medalha”, “Se houver amanhã”. Li todos. Creio que Sidney Sheldon era um pouco mais sofisticado que Harold Robbins, mas posso estar enganado. Já faz muitos anos que não leio nenhum dos dois.

      Estou lembrando agora de Jacqueline Susann e de dois livros seus massacrados pela crítica, mas que venderam muito, muito mesmo – “Uma vez só é pouco” e “O Vale das bonecas”. Os dois viraram filmes.

      Independentemente da qualidade dos textos, são autores que ficaram na nossa memória afetiva. Foi com eles que descobrimos o prazer da leitura de livros depois de passarmos pelos gibis que todos líamos na infância. Foi com eles que “viajamos”, pela primeira vez, para um mundo de intrigas, artimanhas, estratagemas e ardis próprios dos personagens dos “best sellers”.

      Lembro que frequentei muito a Biblioteca da Lapa também. Lá, íamos eu e um amigo, Marco Antônio, buscar os livros que nos divertiam – e íamos a pé, pois não tínhamos sequer o dinheiro para o ônibus. Atravessávamos toda a Ponte do Piqueri, sobre a Marginal Tietê, conversando acerca de tudo. Era uma longa caminhada até lá em cima, na rua Catão. (Não sei, mas acho que as amizades dos tempos difíceis são as que ficam.) 

      Guardo com carinho aquela época e aquelas leituras. Ainda que sejam livros descartáveis, mutas vezes considerados uma “literatura trash”, eles abriram-me o caminho para os grandes que vieram depois. Se adiante estavam Machado de Assis, Graciliano Ramos, Shakespeare, Gabriel Garcia Márquez, os russos, os franceses, os portugueses, é porque no retrovisor ficaram  autores como Sidney Sheldon e Harold Robbins e as bibliotecas circulantes de minha juventude.

      Sem falar nos amigos com quem dividi tudo aquilo!

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

7 Comments

  1. Marco Antônio Gonçalves disse:

    Adorei.

  2. Roberto disse:

    Estava sentindo falta das suas crônicas, meu amigo. Mais uma vez IMPECÁVEL. Parabéns e um forte abraço, Bob

  3. Crônica impecável!
    A leitura faz bem pra alma, tambem, “viajamos”.

    • Baltasar Pereira disse:

      Nossa , que Crônica deliciosa de se ler.
      Fui sendo embalado pela História .
      Fiquei imaginando as Bibliotecas Circulantes,pois fui muitas vezes em Bibliotecas para pegar livros.
      Li também Sidney Sheldon e confesso que lia em um final de semana,pois a História cativava pelo enredo e intrigas.
      Sempre gostei de ler,desde Obras tidas como fracas até os (as)Grandes Autores do Mundo.
      Ler nos faz viajar, nos emocionar,raciocinar,criticar e até mudar nossa Vida.
      Bela Crônica sobre o “Ler” e ao mesmo Tempo sobre a Vida.

  4. Verônica Mucury disse:

    Que maravilha poder ler suas crônicas, penso que já chegou o momento de escrever um romance Professor Doutor.
    Beijos

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