A revista eletrônica “Queerty”, uma publicação gay e editada em San Francisco, na Califórnia, soltou uma matéria com o título “Beyond Batman: the secret LGBTQ stars of one of TV´s campiest show” (“Além de Batman: as estrelas secretas LGBTQ de uma das séries mais exageradas da TV”, em tradução livre).
E vai listando os atores e atrizes convidados como vilões da série dos anos 1960 que fez um sucesso tremendo, embora tenha ido ao ar somente com três temporadas. Quem viu jamais esqueceu!
“Campy” é um termo em inglês utilizado para designar o que é exagerado, além da conta, beirando o cômico e a sátira. A série era realmente exagerada em tudo.
Concebida para satirizar mesmo o universo dos super-heróis, ela tornou-se um símbolo de uma década irreverente, que debochava dos antigos padrões sociais e tentava derrubá-los. Foi a década dos hippies, dos Beatles, dos protestos contra a Guerra do Vietnã, do Festival de Woodstock, do amor livre, do sexo antes do casamento, dos movimentos feministas, da minissaia e por aí vai. O Batman e o Robin de Adam West e Burt Ward encaixaram-se perfeitamente no cenário daquela década tão rica em tanta coisa.
Eu poderia ficar aqui escrevendo e escrevendo sobre as curiosidades do seriado, seus bastidores, a escolha dos atores principais, as críticas a uma sociedade “quadrada” (gíria corrente na época!), engessada e conservadora que estava desabando. Mas uma outra coisa é muito legal: o Batman dessa série dava risada de si mesmo, ridicularizava esse negócio de gente fantasiada combatendo bandido e trocando sopapos com quem infringisse a lei. O fato de o próprio ator Adam West estar fora de forma, com uma barriguinha saliente, já indicava o que viria. Era muito divertido!
Os diálogos moralistas e moralizantes entre Batman e Robin (ou Bruce Wayne e Dick Grayson); o Comissário Gordon que, com o Chefe O´Hara, comandava uma polícia inútil e inoperante; a tia Harriet (inventada para que as más línguas não tivessem motivo para falar de um solteirão que vivia com um rapaz mais novo numa mansão – o que não ajudou em nada, pois o povo falava mesmo assim!); a filha do comissário, Barbara Gordon (a atriz Yvonne Craig), que aparece na terceira temporada e se torna um ícone gay como a linda Batgirl; Alfred, o fiel mordomo de Bruce Wayne, o único que sabe as verdadeiras identidades de Batman, Robin e Batgirl; os vilões deliciosos que viviam espinafrando a “Dupla Dinâmica” (depois, o “Trio Terrível) com ofensas e tentativas de assassinato. Tudo era de um ridículo tão grande que se tornava uma diversão! E cor, muita cor! Uma linguagem de gibi.
Os supervilões mais famosos e queridos eram a Mulher Gato, o Coringa, o Charada e o Pinguim. Não por acaso, foram os personagens do longa-metragem “Batman”, de 1966. A notar que, nesse filme, a Mulher Gato foi interpretada por Lee Meriwether, a atriz que fazia uma cientista em “O Túnel do Tempo”, série da mesma época.
Lembro que as crianças ficavam com os olhos vidrados na TV, mesmo que o enredo, as piadas, as tiradas, as ironias não fossem para o público infantil… e não eram. Uma criança não entenderia – como não deve ter entendido – um episódio em que, por exemplo, criticava-se a alienação dos hippies, ou mesmo os exageros do movimento feminista da época. Basta que a gente assista aos dois episódios da terceira temporada: “A hora e a vez de Louis Lilás” (em que o vilão, interpretado por Milton Berle, rouba as flores do mercado de Gotham City e controla os hippies locais, “hipnotizando-os” com seu spray estonteante) ou “Um clube do outro mundo” (no qual o prefeito é obrigado por sua mulher a demitir o comissário e o chefe de polícia e a aposentar o Trio Terrível para dar plenos poderes à vilã Nora Clavícula, interpretada por Barbara Rush, e suas aliadas… Ah! A esposa do prefeito recusava-se a passar suas roupas e fazer sua comida como forma de chantageá-lo!).
O episódio em que Batman entra numa disputa de surfe(!) com o Coringa – o eterno César Romero, que se recusou a raspar o bigode e ficou com a cara parecendo um fantasma de tanta maquiagem para esconder os fios. Os dois de bermudas e pegando ondas são hilários! Ambos são atacados por um tubarão, mas Batman saca um “bat-repelente de tubarões” do seu bat-cinto e tudo se resolve!
As “bat-lutas” coreografadas e repletas daquelas onomatopeias – “Ploft”, “Plaft”, “Klonk”, “Bam”, “Pow” – que enchiam a tela da TV a cada soco ou pontapé que os bandidos tomavam. As frases do (às vezes, irritante) Robin que sempre começavam com “Santo”. Eram “santo isso”, “santo aquilo”.
Falando em Robin, também houve a história de que precisaram esconder (ou pelo menos diminuir) seu volume na calça agarradinha de sua fantasia. Parece que o rapaz era bem dotado. Isso repercute até hoje!
Qual o menino que não quis um bat-móvel como aquele da série? Meu irmão ganhou um de Natal! Que combatente do crime não queria ter a Mansão Wayne e dispor da bat-caverna com seu sempre eficiente bat-computador? Batman era a lei e não tinha pra ninguém!
O primeiro episódio foi ao ar em 12 de janeiro de 1966, e o último, em 14 de março de 1968, pela ABC. Por aqui, foi exibida em vários canais e até hoje é reprisada. Só recentemente, em 2015, é que a série saiu em DVD no Brasil. Acho que demorou muito!
Dizem que a série foi tão popular nos Estados Unidos, que até Frank Sinatra pediu um papel de “vilão especialmente convidado”. Não conseguiu ou não houve negociação.
Mas, voltando à matéria da Queerty, a lista dos atores que, de uma forma ou outra, estavam no armário é esta:
César Romero – O Coringa
Victor Buono – O Rei Tut
Vincent Price – O Cabeça de Ovo (bissexual)
Tallulah Bankhead – A Viúva Negra
Lesley Gore – A Gatinha
Roger C. Carmel – O Coronel Cola
Liberace – os gêmeos Chandell e Harry
Roddy McDowall – O Traça
E, já que estou falando do aspecto gay da série, não posso omitir as lindas atrizes que interpretaram um ícone gay por excelência, a Mulher Gato. Sempre frustrada na tentativa de conquistar Batman amorosamente, ela era trocada por
Robin, com quem Batman preferia sempre ficar. (Depois, dizem que somos maldosos!) As atrizes: Julie Newmar – a mais conhecida; e Eartha Kitt, atriz e cantora negra que enfrentou rejeição por parte do público racista, pra variar…
Finalizando, o caso sempre engraçado do pianista Liberace, que morreu negando ser homossexual, embora seu jeito afetado e fervido fizesse Elton John parecer um cangaceiro.
Batman trazia tudo isso e muito mais!
5 Comments
Que interessante! Nunca mais vou conseguir assistir à série com o mesmo olhar. Na minha memória infantil não havia deboche nem sátira: somente dois heróis e muita ação, rsrsrs.
Outro ponto interessante: nas décadas de 60 e 70, era comum retratar-se vilões com trejeitos afetados, apontando para uma possível homossexualidade.
Um detalhe…fiquei chocado com a revelação final…Liberace era gay!!! Como ele escondia bem!!🤣🤣🤣
Que delícia de série, acho que só maliciei essa série depois de velha, amava o Robin e queria ter um Alfred, e claro, ser a mulher gato, mas o importante é que, com certeza, vou continuar assistindo.
Eu adorava ,quando criança e acredito que ainda hoje se o assistisse ,o Seriado Batman e Robin.
Divertido,hilário,diálogos interessantes e a câmera em muitas cenas bem próxima ao rosto dos atores.
O gostoso era ver como debochavam dos Super-heróis e as onomatopéias nas cenas de lutas.
Crônica bem gostosa sobre o seriado que infelizmente apesar do grande Sucesso durou muito pouco.
Gostei de relembrar dos vários personagens interessantes e até extravagantes.
Bela Crônica que nos remete a um passado muito bom .
Corrigindo: (…) retratarem-se.
Professor, você grafou tudo e mais alguma coisa! Graças a um grande amigo, tenho a série completa, um presente maravilhoso. Dias atrás, li em uma página na internet que há um filme chamado “Return to the Batcave” – “O Retorno à Batcaverna”. Não tinha ouvido falar, muito menos assistido, consegui em um site, e fiz o download. Procurei assistir com outros olhos, como se estivesse vendo a série, pois o filme deixa a desejar. Enfim… Simplesmente linda, maravilhosa a sua crônica.