PREFERÊNCIAS E GOSTOS
21 de setembro, 2022
JOHNNY ALF
25 de outubro, 2022
Mostrar tudo

NÚMEROS PRIMOS

No nosso aniversário de um mês, fevereiro, enviei a ele uma dúzia de rosas vermelhas, lindas, importadas, que me custaram uma grana boa. Comprei de manhã, mandei entregar no trabalho dele e fiquei esperando a reação. Lógico que fiquei aguardando um telefonema no qual ele se mostrasse feliz, contente, emocionado. Até uma mensagem de Whatsapp servia… Passou a manhã, passou a tarde e nada! Só à noite, ele liga pra mim, agradece as flores e diz que  achou “legal” o presente. Quando eu pergunto se gostou, ele me conta que é alérgico a flores e que ficou espirrando o dia inteiro. Fala que tomou um remédio que lhe dá muito sono e que vai pra cama cedo. “Beijo!”. Desligo o telefone, desconsolado. Dei um tiro n´água. Acho até que exagerei nesse negócio de comemorar um mês de namoro.

Em abril, na Semana Santa, compro um ovo de Páscoa lindo, de uma daquelas marcas que esfolam a gente. Pra pagar o tal ovo, o cliente tem que fazer um crediário ou doar um rim. Compro assim mesmo. Como não vamos passar o Domingo de Páscoa juntos (“Vou almoçar com minha família, tá?”, ele comunica, sem me perguntar se eu quero ir junto pra conhecer o clã), ele vem à minha casa na Sexta-Feira Santa, e eu lhe dou o ovão. Fico aguardando a cara de surpresa e de alegria dele – que não me comprou nem uma caixa de bombons, mas tudo bem! O ovo é grande e a gente come junto, penso. Quando ele abre, me diz que só gosta de “chocolate branco”. Não tira nem uma lasca pra me deixar feliz. Diante daquele ovo de avestruz, caro e cheio de bombons dentro, ele me diz que vai levar para a sobrinha, que adora chocolate ao leite. Na manhã seguinte, leva o ovo embora. Fico morrendo de vontade e saio pra comprar um pra mim.

Junho se aproxima e, com ele, o tal Dia 12. Claro que, romântico como sou, já estou pensando no presente dele. Um perfume? Não, o homem é alérgico. Uma calça jeans, um par de tênis de uma marca legal, gravatas, uma carteira de couro legítimo? Vou pensando e até aceitando sugestões da minha melhor amiga. Lá pelo dia 05, faltando uma semana para o tal Dia dos Namorados, estamos no meu apartamento, assistindo à TV. Quando passa um comercial de uma loja falando da data, ele dispara: “Acho esse negócio de Dia dos Namorados uma besteira. Onde já se viu ter um dia para comemorar namoro? Esse pessoal não sabe mais como fazer dinheiro”. Olho pra cara dele sem acreditar no que estou ouvindo. Não falo nada. Já sei que não vou ganhar coisa nenhuma, mas, pelo menos, não vou gastar dinheiro também. No tal do dia, uma quarta-feira, ele sai do trabalho e vai pra casa porque teve “um dia estressante e quer ir pra cama cedo”. Então, tá!

O ano vai passando. Estamos na metade dele. O aniversário do cidadão está chegando. O meu é depois. Penso se devo organizar uma festa, uma reunião com os amigos dele, com a família, com os meus amigos que ele conheceu aqui em casa. Pra evitar aborrecimento, pergunto o que ele acha da ideia. Diz que é “bacana”, mas a mãe já disse que vai reunir a família toda na casa dela pra comemorar o aniversário do filhote. Entre um punhado de amendoim e outro que ele enfia na boca enquanto olha a TV, não se dá o trabalho de olhar pra mim – assim mesmo, com os olhos na novela, me pergunta se eu quero ir à festa. Sem comentários.

No dia, dou uma desculpa e minto que estou doente. Telefono pra sogra e digo que estou com o estômago enjoado. Ela me receita um chá não-sei-do-quê e desliga o telefone fixo. Quando ligo pro celular do aniversariante (meu namorado), ele atende e diz que a casa está uma bagunça só, com os amigos do escritório e do bairro. A mãe convidou até alguns da faculdade – que ele concluiu faz dez anos! Ele não me pergunta se melhorei.

Fico em casa sozinho, vendo TV. Tenho vontade de ir até lá, sinto falta dele, gosto de estar perto da criatura. Nessa hora, meu celular acusa uma chamada: é minha melhor amiga. Conto a história pra ela. Com raiva, ela me pergunta por quando tempo vou levar esse “namoro fake”:

– O cara é um Número Primo, pô! Você vai ficar nessa até quanto?

A cidadã é professora de matemática. Peço pra ela me traduzir: – Que história é essa de “Número Primo”, agora, gente?!

– Número Primo, cara: na matemática, são números naturais, maiores do que um, que possuem somente dois divisores, ou seja, são divisíveis por um e por eles mesmos, percebe? Esse fulano não combina com ninguém. Ele nem sabe, mas não tem sensibilidade para receber alguém carinhoso na vida dele. Não consegue dividir nada. Talvez dê certo com outro idiota como ele. É um Número Primo!

Sua metáfora me agrada e, ao mesmo tempo, me magoa. Não a metáfora em si, mas a consciência de que o outro talvez nunca tenha estado pra valer nessa relação de quase um ano. Perda de tempo, investimento inútil em alguém que nunca esteve na mesma sintonia.

Desligo o telefone com um beijo pra minha professora favorita. Agradeço pela explicação. Vou até a janela e olho a noite lá fora. Centenas de prédios, milhões de pessoas. Gente sensível, gente romântica, gente fria, gente indiferente, gente que gosta da solidão…

Preciso seguir um outro rumo na vida. Preciso tomar cuidado com os algarismos dos homens.

(Só esqueci de perguntar pra minha amiga se existe o contrário dos tais Números Primos.)

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

0 Comments

  1. Baltasar Pereira disse:

    Com o decorrer da História nesta Crônica, eu mesmo fui ficando com Pena do personagem principal não ter percebido até o final que realmente o outro não estava na mesma sintonia com ele.
    Eu já passei por isto,mas nós não queremos perceber, mas um dia vemos as coisas como elas realmente são na Vida.
    Achei empolgante a História e relembrei o que são números primos.
    Bela e Triste Crônica sobre a Vida como ela é e temos de ver que também há muitas outras Pessoas que podem e muito em nossas Vidas.

  2. Baltasar Pereira disse:

    Quis dizer que existem muitas outras Pessoas que entram em nossas Vidas para nos acrescentar coisas boas e crescermos juntos,sejam Amigos ,Namorados ou Parentes.
    Isto nos dá muita Força.
    👏👏👏

  3. Clarice keri disse:

    Que história bonitinha, bem gostosa de ler, nos faz ver que a fila têm que andar quando não há conexão nem energia boa, adorei, obrigada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *