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GEORGE MICHAEL E A CARTA DE FRANK SINATRA

Em 1990, George Michael já era uma grande estrela da música pop mundial. Ao lado de Michael Jackson e Madonna, o cantor inglês talvez compusesse o trio dos que lançavam os vídeos mais bem produzidos, mais caros e de maior sucesso. Desde os tempos da dupla “Wham”, George era um filhote da geração MTV.

Lembro que, nos anos 80, ele e Andrew Ridgeley fizeram sucesso com “Wake me up before you go go”, mas foi com “Careless Whispers” que eles estouraram pra valer! Infernizei minha professora do Fisk para tirarmos a letra e ela reservou uma aula para isso. Tempos pré-internet, pré-Google. As rádios tocaram muito, muito mesmo – e tocam até hoje para desespero de muita gente que não aguenta mais essa música!

George sempre foi um ótimo cantor. Dono de voz potente, seus shows eram ainda melhores que seus discos. Rapaz bonito, soube explorar sua imagem sensual, principalmente quando a dupla se separou e ele lançou o disco “Faith”, que trazia vários sucessos – destacando-se a belíssima “Kissing a fool”, com um clipe em preto e branco, meio retrô, elegante e dolorido, que combinava perfeitamente com a canção. A outra era “Father Figure”, em cujo clipe ele faz um motorista de táxi (!) que se apaixona pela passageira, uma linda top model, e com ela vive um tórrido romance etc. Ali, ele vendeu pra todo o mundo a imagem de “homão com pegada”, como se costuma dizer hoje. O disco foi um sucesso tremendo. Além das citadas, mais três músicas viraram clipes: “Faith”, “I want your sex” e “One more try”.

George Michael, de ascendência grega (Georgios Kyriacos Panayiotou), nasceu em Londres, em 25 de junho de 1963 e morreu em 25 de dezembro de 2016, aos 53 anos. O rapaz foi acumulando sucessos, mas nem tudo estava bem com ele. Talvez (suposição minha) a obrigação de esconder sua homossexualidade tenha lhe feito muito mal, como normalmente faz quando se tem que fingir para todos o tempo todo aquilo que não se é. Como dizia Jung, “a chamada ‘sombra’ personifica tudo o que o sujeito recusa a admitir sobre si próprio, e na qual, no entanto, está sempre tropeçando, direta ou indiretamente. É aquela personalidade escondida, reprimida, na maior parte das vezes cheia de culpa, mas que, cedo ou tarde, precisará ser encarada”.

Mesmo com todo o sucesso e o amor dos fãs, George não aguentou o tranco e acabou viciado em drogas, a ponto de Elton John (ele mesmo um sobrevivente do vício) correr em auxílio do amigo. Como eu disse acima, eram tempos pré-internet, e pouca coisa chegava a público se comparada à quantidade de notícias e fofocas com que somos bombardeados hoje.

Quando lançou “Listen Without Prejudice”, em 1990, o cantor estava brigando com a CBS. Ele acusava a gravadora de não divulgar direito seu novo trabalho, e os executivos diziam que as baixas vendas nos EUA se deviam à ausência do cantor nos clipes. Considero esse disco o melhor de sua carreira. Traz canções como, “Heal the pain”, “Waiting for that day” e a linda “Cowboys and Angels”. O grande sucesso do disco, “Freedom 90”, foi bastante impulsionado pelo clipe (claro!), no qual George não aparece, mas que traz top models da época como Linda Evangelista, Naomi Campbell e Cindy Crawford.

Nesse disco, pelo menos pra mim, a melhor música é “Praying for time”, uma porretada de quase cinco minutos, cuja letra diz, entre outras passagens: “Está difícil amar/Há tanto o que se odiar/E os céus feridos lá em cima/Dizem que é muito tarde/Talvez devêssemos rezar pedindo tempo/E você fechou os olhos quando disseram que Deus não pode voltar/Porque ele não tem filhos para os quais retornar/Talvez devêssemos todos rezar pedindo tempo…”. Bem atual!

Em 20 de abril de 1991, George cantou no Estádio de Wembley, no tributo a Fred Mercury, morto pela Aids. Essa talvez seja uma das maiores apresentações ao vivo da história da música. George cantou “Somebody to love” com o Queen de forma magnífica. O homem roubou o show! É ver para crer!

Uma outra intepretação muito, muito marcante pra mim aconteceu no seu “Acústico MTV”, no qual ele cantou a linda “The long and winding road”, dos Beatles. E, convenhamos, cantar essa música, depois da gravação do Paul McCartney, não é pra qualquer um. George cantou à altura da música e de Paul! Ótimo!

Cansado de tudo – talvez do sucesso e da solidão que ele traz, de ter que fingir o que não era – George acabou se perdendo no caminho. Tudo melhorou quando, no Rock in Rio de 1991, ele conheceu o brasileiro Anselmo Felepa, com quem teve um caso bastante intenso. Anselmo, contudo, veio a falecer de Aids, em março de 1993, e a canção “Jesus to a child” é dedicada a ele. Os versos “O céu mandou/e o céu roubou” resumem a dor de George.

Depois disso, os problemas foram se avolumando. Em 1998, ele foi preso por atentado ao pudor dentro de um banheiro público de um parque de Beverly Hills, na Califórnia, numa armadilha armada por um policial à paisana. Foi um escândalo. Mais tarde, satirizou o acontecido e a homofobia no clipe “Outside”, no fim do qual se lê, num luminoso: “Jesus ama a todos… Todos!”.

Uma das passagens mais bacanas de sua biografia diz respeito à sua vontade de reclusão e de aposentadoria do mundo da música. George, apesar do sucesso de “Listen Without Prejudice”, disse, numa entrevista à revista Los Angeles Times´s Calendar, que queria se manter mais recluso e afastado da vida pública, e houve repercussões. Uma das pessoas que se manifestaram foi Frank Sinatra. Com toda a sua experiência, Frank achou por bem falar ao jovem inglês sobre os sabores e os dissabores da fama.

Como um pai, o cantor americano publicou uma carta na mesma revista, dando uns conselhos e um pequeno puxão de orelhas em George. A carta dizia assim:

 

“9 de setembro de 1990.

Caros amigos,

Quando eu vi a capa de sua Calendar, hoje, sobre George Michael, ‘o relutante astro pop’, minha primeira reação foi que ele deveria agradecer a
Deus todas as manhãs, quando acorda, por ter tudo o que tem. E isso fará com que nós agradeçamos a Deus todas as manhãs por tudo o que temos.

Não entendo um rapaz que vive ‘a esperança de reduzir o estresse do status de celebridade’. Aqui está um garoto que ‘queria ser um astro desde os sete anos de idade’. E, agora que é um compositor e um cantor de talento, aos 27 anos, quer desistir do que centenas de jovens talentosos do mundo inteiro fariam de tudo para conseguir – só por um pouco daquilo de que você está reclamando.

Vamos, George. Relaxe. Tenha um pouco de swing, rapaz. Limpe essas teias de aranha de suas asas e voe para Lua e fique feliz por carregar a bagagem que todos temos de carregar desde aquelas noites em que temos de dormir na vertical nos ônibus, além de ajudar o motorista a descarregar os instrumentos.

E chega desse negócio de ‘tragédia da fama’. A tragédia da fama acontece quando ninguém aparece e você fica cantando para a faxineira em antros vazios que não veem uma alma de um pagante não se sabe desde quando. E você não está nem perto disso. Você está no alto de uma escada chamada Estrelato, que, em latim, significa obrigado-aos-fãs que estavam lá quando estava solitário.

Talento não deve ser desperdiçado. Aqueles que o possuem – e obviamente você possui ou a capa da Calendar seria sobre Rudy Vallee (ator e cantor das antigas) –, aqueles que possuem talento devem se agarrar a ele, abraçá-lo, alimentá-lo e compartilhá-lo a fim de que não lhes seja tirado tão rapidamente quanto lhes foi emprestado.

Confie em mim. Já estive aí (no seu lugar).

                                  Frank Sinatra”

 

Parece que a carta surtiu efeito. O cantor inglês ainda lançou discos depois disso e, a despeito do turbilhão em que estava sua vida, fez shows e levou alegria aos fãs do mundo todo.

O fato de George ter morrido (por insuficiência cardíaca) no dia de Natal de 2016 é muito emblemático para quem gostava de sua música, de sua voz e de seus vídeos. Um dos mais bonitos é exatamente o clipe da canção “Last Christmas” (“No último Natal”), em que um grupo de amigos se reúne nas montanhas para comemorar a data, e o protagonista – o próprio cantor – revive um amor do passado. No refrão, os versos: “No último Natal, eu lhe dei meu coração/Mas, bem no dia seguinte, você o deu embora/Neste ano, pra me poupar das lágrimas, /Eu o darei a uma pessoa especial (…)”.

George Michael é mais um caso de alguém que se foi muito cedo. Que pena!  

 

Aqui, os links de alguns vídeos:

“The long and winding road”:

https://www.youtube.com/watch?v=sJifw6Kej2s

“Kissing a fool”:

https://www.youtube.com/watch?v=omsBhh8vA7c

“Somebody to love”:

https://www.youtube.com/watch?v=kIb4gM84-o0

“Last Christmas”:

https://www.youtube.com/watch?v=E8gmARGvPlI

 

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

5 Comments

  1. Clarice keri disse:

    Obrigada , adorei saber dessa história, apesar de gostar do Frank sempre o achei meio falastrão, mas ele foi um ótimo amigo, obrigada de novo.

  2. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Excelente crônica. Um pequeno estímulo pode realizar milagres( a carta de Sinatra).
    Também oferece uma luz sobre a biografia de George Michael para quem não a conhece.
    Parabéns

  3. Professor, não sabia dessa história, muito interessante por sinal. George Michael de um talento espetacular, já Frank Sinatra com uma voz e dicção que ainda desafiam tudo e todos – sou suspeito em escrever algo. Linda Crônica.

  4. Professor, não sabia dessa história, muito interessante por sinal! George Michael de um talento espetacular, já Frank Sinatra com uma voz e dicção que ainda desafiam tudo e todos – sou suspeito em escrever algo. Linda Crônica.

  5. Baltasar Pereira disse:

    Linda Crônica que nos deu um apanhado,mesmo que ligeiro sobre a Vida de George Michael.

    Época difícil em se assumir a Homossexualidade que hoje muitos não entendem o que era necessário fazer para ficar no “armário”.

    Não tinha conhecimento desta carta de Frank Sinatra para a revista, endereçada a George Michael.

    Bela Carta e contundente a mesma ,tanto que George logo fez mais Shows e músicas.

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