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PERTO & LONGE

Saí da pista e fui pegar uma bebida. Deixei os amigos curtindo a música e fui ao bar. A boate é um lugar de alegria, luzes, música alta, gente se divertindo. De repente, vi aquele moço de seus 35 anos chorando perto do balcão, num contraste grande demais para aquela folia.

O que fazer? Antes de tudo, certifiquei-me de que ele chorava mesmo, não era ilusão de óptica minha. Não estava bebendo, logo pensei que não fosse o efeito do álcool. Ele passava a mão pelos olhos, enxugava as lágrimas que teimavam em rolar pelo rosto e me parecia inconsolável.

O que havia acontecido? Começara a chorar em casa e, não aguentando a solidão, fora para a boate tentar se sentir melhor? Começara a chorar ali, porque vira um antigo amor ou o amor atual com outro? Trazia tanta tristeza por causa do tal do amor ou suas lágrimas vinham de um motivo mais familiar ou mesmo de mágoa com algum amigo ou amiga? Um relacionamento havia acabado naquela noite e ele resolvera afogar as mágoas naquela boate? Será que estava com alguma doença incurável? A morte não superada de um ente querido talvez?

E eu, ali, no balcão, esperando minha bebida na boate cheia, sem saber bem o que fazer diante daquele moço que me inspirava um sentimento de solidariedade. Perguntar pra ele o que havia acontecido? Dizer a ele que podia confiar em mim? E se ele se zangasse e me achasse um intrometido e nem me respondesse? E se me respondesse de maneira truculenta e se afastasse de mim me deixando falando sozinho? Nem psicólogo sou…

Por momentos, achei melhor não chegar perto e não perguntar nada. E se viesse um drama enorme, um discurso enfadonho, cansativo, de um caso que eu não poderia resolver? De repente, ele viu que eu o observava e achei melhor assim: se ele quisesse, poderia pelo menos fazer um sinal para que eu me aproximasse. Não fez.

Acho que não queria que ninguém se metesse na vida dele. E, de mais a mais, ele tinha o direito de chorar em paz.
Todo o mundo tem. Mas numa boate? Por que não ia embora, meu Deus? Chorar em outro lugar, conservar sua dignidade e privacidade… mas era o que eu teria feito. Não tenho o direito de exigir o meu comportamento da parte de ninguém.

Outros tantos homens passaram por ele a caminho do bar ou do banheiro. Duvido que só eu tenha notado seu choro. E ninguém parou para perguntar o que havia de errado. Não dá pra dizer quando termina o respeito pelo outro e quando começa a indiferença das pessoas.

Tive vontade de voltar para a pista, mas como é que eu ia me divertir sabendo que esse moço estava tão infeliz? Era um moço bonito. Tenho certeza de que não teria dificuldade em ficar com alguém naquela noite. Reparei em sua calça jeans, seu corpo malhado (não bombado), uma camisa azul de mangas arregaçadas até o cotovelo. Cabelos bem aparados, uma tatuagem que cobre um braço (até onde pude ver), barba espessa. Os tênis eram brancos. Vi que ele tirou o celular do bolso e olhou o visor iluminado por alguns segundos. Estaria esperando alguma mensagem ou, num comportamento masoquista, olhou a foto de alguém que o fazia sofrer?

O DJ tocou uma das minhas músicas favoritas. Peguei minha cerveja e me juntei aos amigos no centro da pista. A noite estava gostosa, boate animada, eu estava com uma turma também animada.

Enquanto eu dançava, bebia e me divertia, porém, fiquei pensando naquele moço e em suas lágrimas. Quando me virei para observá-lo novamente, ele não estava no mesmo canto. Não o vi mais, nem quando voltei ao bar.  

Na minha inércia, não fui capaz de lhe ser solidário.

 

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

4 Comments

  1. Em alguns momentos não sabemos como agir, e muito menos saberemos qual a reação da pessoa. Até que ponto devemos respeitar a privacidade alheia?

  2. Roberto disse:

    Oi Vitão! Bela crônica! Abraço, Bob

  3. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Bela e sensível crônica. Difícil saber o que se passa ao nosso lado. Que direito temos de intervir ou não? Somos bilhões de humanos que vivem suas vidas com suas alegrias, desejos, frustrações, paixões. Novamente: que direito temos de intervir?
    “E lá nave va ”
    Parabéns

  4. Clarice keri disse:

    Historia ótima, com um final perfeito, ele tinha que ir embora, chorar em outro lugar, só demorou pra decidir isso, amei, obrigada.

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