Por tudo o que já li a respeito dele, nunca fui muito fã do homem Olavo Bilac. Gosto de sua poesia – embora muita gente torça a cara para o Parnasianismo e sua busca pelo verso perfeito –, acho o Hino à Bandeira (cuja letra é de Bilac) muito bonito e sempre gostei de trabalhar com seus poemas em sala de aula. A figura, contudo, nunca me foi muito simpática, a começar por esse negócio de serviço militar obrigatório.
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) é considerado o Príncipe dos Poetas Brasileiros. Em 1907, foi convidado a liderar o movimento do serviço militar obrigatório, implementado somente em 1915, por ocasião da I Guerra Mundial. Relatos dão conta de que o escritor desdobrou-se para convencer os jovens ao alistamento. Sua projeção como jornalista e como intelectual sério conduziram-no ao cargo público de inspetor escolar. Dizem que Bilac sofreu o primeiro acidente de carro no Brasil, em 1897, quando bateu contra uma árvore na Estrada da Tijuca, no Rio de Janeiro. Politicamente, opunha-se ao governo de Floriano Peixoto.
Bem, do outro lado, temos o escritor Raul Pompeia. Raul D´Ávila Pompeia (1863-1895) ficou famoso em nossa literatura por seu romance “O Ateneu” (1888), no qual relata a vida de estudantes de um grande internato ao qual se dirigiam os filhos de famílias abastadas. Publicado em forma de folhetim, na Gazeta de Notícias (RJ), a história perturbou muita gente por seu caráter, digamos, realista demais – professores que tratavam o aluno de acordo com a importância social e econômica de sua família, funcionários sem ética, estudantes com conduta sexual condenável para a época, além de inveja, arrogância e maldade por parte de muitos funcionários do colégio.
Em seu livro “História Bizarra da Literatura Brasileira”, Marcel Verrumo conta que “a obra, no fim do século 19, caiu como uma bomba. Raul Pompeia passou a ser depreciado, chamado de esquisito e, por não ser casado, foi tachado de gay”. Pompeia foi educado em colégios da elite carioca, entre eles o D. Pedro II – fontes seguras para seu romance mais famoso. Foi na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP), porém, que o escritor enfrentou mais conflitos e polêmicas em sua vida: era defensor da República, mas rompeu com estudantes republicanos que eram a favor da escravidão. Por também ter entrado em choque com os professores, acabou sendo perseguido por seus mestres e teve de pedir reavaliação para não ser reprovado, conseguindo se graduar somente na Faculdade de Direito do Recife. Não exerceu o Direito e foi viver de seus textos literários e jornalísticos no Rio.
Em “O Ateneu”, muita gente interpreta a destruição do colégio por um incêndio como a destruição do próprio Brasil que deixava o imperialismo e tomava um novo caminho. Mais tarde, Pompeia vai apoiar o marechal Floriano Peixoto – sucessor de Deodoro da Fonseca – e, claro, vai entrar em desavença com os intelectuais antiflorianistas. Um desses inimigos será Olavo Bilac, que virá a público, fazendo duras acusações pessoais a Raul Pompeia.
Segundo Verrumo, em um artigo no jornal O Combate, Bilac afirmava que “Pompeia permanecia ao lado de Floriano porque seu cérebro estava amolecendo devido ao tempo que ele passava… se masturbando”:
“Talvez seja amolecimento cerebral, pois que Raul Pompeia masturba-se e gosta de, em altas horas da noite, numa cama fresca, à meia luz, recordar, amoroso e sensual, todas as beldades que viu durante o seu dia, contando em seguida as tábuas do teto onde elas vaporosamente valsam”.
Como Pompeia morava com a mãe, era solteiro e não era visto com mulheres em público, tinha o comportamento perfeito para ser acusado de gay ou onanista na sociedade machista do século 19. Acabou reagindo aos ataques. Como resposta, escreveu que detestava homens imorais, que praticavam o incesto: Bilac havia dito que não queria filhos porque já possuía sobrinhos. O quiproquó foi piorando e se intensificando entre os dois. O poeta parnasiano foi, com sua influência, isolando Pompeia cada vez mais dos meios literários.
Quando Floriano morreu, Pompeia fez um discurso inflamado e elogioso ao militar, o que aguçou o ódio dos literatos ao apoio do escritor ao suposto golpista. Quando o sucessor Prudente de Morais assumiu o poder, Raul Pompeia foi demitido do cargo de diretor da Biblioteca Nacional. Não bastassem as brigas com Bilac, ainda foi chamado de “louco” pelo ex-amigo de faculdade, Luiz Murat, devido ao discurso no sepultamento de Floriano.
É fácil entender a depressão e a solidão em que Pompeia se encontrou, sem o apoio do presidente e sendo acusado de gay, masturbador e doido por seus contemporâneos e colegas de profissão. Deve ter vivido uma pressão terrível. Na noite de Natal de 1895, aos 32 anos, não aguentou e acabou dando um tiro no peito, diante da mãe.
Ainda deixou uma nota a ser publicada no jornal A Notícia: “À Notícia e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra.”
Não sei como Bilac reagiu a tudo isso, mas, como se vê, muito antes da internet e das redes sociais, o assédio moral e a polarização política já eram capazes de destruir a reputação e a vida de uma pessoa.