

Entro na igreja do bonito Mosteiro de São Bento (do século 16), no centro da cidade, na manhã de segunda-feira. Tenho tanto a agradecer! Aproveito que o lugar está vazio e tranquilo. Um anúncio se faz ler na entrada do templo: “Esta é uma casa de oração, silêncio e respeito.” Não sou católico praticante, mas tenho a minha fé.
Sento-me num banco e, mentalmente, faço minhas orações – primeiro, agradecendo por tudo o que tenho a agradecer; depois, pedindo pela saúde das pessoas importantes de minha vida, sem as quais muita coisa não teria sentido. Penso também nos entes queridos que se foram e deixaram muita saudade. Cumprido meu ritual – que sempre me deixa mais leve e em paz com Deus –, ainda fico mais um tempo desfrutando do silêncio e da quietude do lugar. Suas paredes antigas guardam segredos; as imagens centenárias de santos e anjos me dão uma certa segurança neste mundo tão descontrolado, caótico e imprevisível.
É o momento em que paro para observar outros que, como eu, têm seus motivos para estarem ali. E começo um exercício de imaginação sobre quais seriam seus pedidos e agradecimentos naquela manhã.
Perto de mim, um senhor de seus 70 anos, ajoelhado, talvez agradecendo por alguma graça obtida, ou pedindo pela cura de algum familiar. Há tantas enfermidades neste mundo, meu Deus!
No banco da frente, uma senhora de mais idade, com um véu preto, reza um terço, e isso me lembra das senhoras de antigamente, tias de minha mãe e mesmo minha avó. Senhoras assim ainda existem. Aquelas que não comem carne na Quaresma, jejuam muito e guardam todos os dias santos.
Do outro lado da igreja, uma moça ampara uma senhora – penso que sejam mãe e filha – e vão parando diante de cada imagem. Devem ser turistas, ou, no mínimo, devem ter entrado nesta igreja pela primeira vez, mesmo morando na cidade. E a imagem das duas mulheres – a mais jovem amparando a mais velha – me dá uma certa esperança de que nem tudo está perdido com tanto ódio, separação e rancor entre gerações.
Um jovem casal entra de mãos dadas. Cada um não deve ter mais do que 25 anos. Recém-casados? Na minha imaginação, sim. São de um outro estado e estão em lua-de-mel em São Paulo. Tomara que o casamento lhes traga felicidade e que saibam que, quando o amor acaba (porque ele pode acabar!), deve restar a vontade de ficarem juntos – apesar dos anos, do cansaço e das diferenças.
Quatro bancos à minha frente, três freiras fazem suas orações ajoelhadas. Observo aquelas mulheres e fico pensando no que foi que lhes impulsionou à vida religiosa. Vocação? Pressão de familiares? Alguma decepção em suas vidas? Os corações humanos são terrenos insondáveis. De qualquer forma, eu não teria essa disciplina para uma vida de sacerdócio – e falo de todas as religiões, com respeito e reverência.
Um outro senhor passa por mim com um garotinho nos braços. Logo deduzo que sejam avô e neto, naquela relação gostosa de um “pai mais velho que não é pai e que pode curtir o garoto à vontade”. Quando passam por mim, o senhor me dá um sorriso meio cúmplice, eu sorrio também, e nos entendemos pelo olhar: ele está feliz com o menino nos braços; fico imaginando que seja seu primeiro neto e torço para que o menino valorize o avô que tem. Alguns fazem tanta falta quando se vão!
Mais um casal entra na igreja. Entre eles, uma menina de uns cinco anos, que dá as mãos ao pai e à mãe. Ela calça sandálias muito bonitinhas; seu vestidinho é vermelho e ela traz um laço de fita branca no cabelo. É falante, e os pais têm de repreendê-la, porque ela, em sua inocência, fala alto. Tenta se desvencilhar e sair correndo pela igreja. Consegue. E é o pai quem sai atrás dela. A cena é engraçada.
Vejo uma família inteira dirigir-se até bem perto do altar. Esses, sim, são turistas: vejo por suas roupas, seu interesse pelos detalhes da igreja, os celulares prontos para as fotos, ainda que o segurança diga que elas sejam proibidas. O brasileiro, contudo, dá um jeito: assim que o segurança vira as costas, as fotos começam, pois eles não vão querer voltar para casa sem recordações de uma igreja tão bonita.
De repente, mais pessoas começam a chegar. Mais histórias de vida vão se juntando nos bancos dessa igreja tão significativa pra mim. O sino começa a tocar. Vai começar uma missa. Sou sincero comigo mesmo: não tenho vontade de assistir à celebração. É hora de voltar pra casa, pra minha realidade.
Lá fora, o mundo espera – não só com seus problemas, injustiças e tristezas… mas também com seus milagres, alegrias e pessoas queridas.
2 Comments
Professor, sou católico não praticante, mas também tenho a minha fé. Sempre vou à igreja aqui da cidade, ela é linda.
Lá encontro paz, encantos e momentos para reflexões – encontramos pessoas e pessoas. Esta Crônica faz com que passemos a ter mais fé. Coincidência ou não, estava assistindo ao filme “Os 10 Mandamentos”.
Olá Prof Vitor
Bela e sensível crônica. Momentos de paz e reflexão. Nesses momentos nossa imaginação voa por espaços inimagináveis.
Momentos de paz e reflexão tão necessários neste mundo caótico. Ao mesmo tempo um cortejo de figuras estranhas e fantasmagoricas desfila pela nossa abstração.
Parabéns pela crônica.
Grande abraço