Nem sempre a vida nos dá uma segunda oportunidade com a mesma pessoa. Quase nunca conseguimos manter a sintonia com quem já nos foi importante… mas pode acontecer.
A VISITA
Recebo a visita do rapaz bonito na noite de sábado. Pontual, como sempre, ele chega às 20h, sorriso aberto quando abro a porta e lhe dou um abraço. Ele me abraça com força, sinto seus músculos debaixo da blusa de lã azul, sua barba no meu rosto, sua boca perto da minha, como num beijo insinuado e insinuante.
Em uma das mãos, traz um vinho e eu, nesta noite fria, elogio sua escolha. Pergunto se ele aceita uma pizza ou quer descer para um dos vários restaurante ao redor do meu prédio. Ele, obviamente, de caso pensado, sugere que peçamos uma pizza. Pergunto se ele ainda gosta de trufas de chocolate e ele me responde: “Macaco ainda gosta de banana?”. Rimos e eu vou ao telefone pedir a pizza, a única companhia que deixaremos fazer parte desta noite, além das trufas que já comprei no dia anterior.
Enquanto estou ao telefone, ele vai à sacada e fica olhando o transito lá embaixo. Seu olhar é repleto de saudade, posso perceber. Mas saudade de quê?
Quando desligo e me volto para ele, o moço se vira para mim e me dá um abraço mais apertado e mais demorado, agora sem a garrafa de vinho na mão. Quase trocamos um beijo, mas ainda é cedo, penso. E me pergunto por que seu telefonema me surpreendeu tanto dois dias atrás…
Não nos vemos faz três anos. Ele entrou em minha vida do mesmo modo como saiu. A dança no meio da pista da boate, a aproximação, o sorriso, o beijo, a apresentação para os amigos de um e de outro – ele estava com uma turminha boa, todos do interior – e a transa quando o sol já começava a nascer. Como era sábado, ele passou o dia comigo, neste mesmo apartamento. Daí para o namoro, foi muito rápido.
Ele vinha em todos os fins de semana – chegava na 6ª feira e ia embora na noite de domingo. Nascido e criado na cidade pequena, dizia que se sentia muito mais livre e à vontade na cidade grande, onde o anonimato é uma regra e em cuja noite todos os gatos são pardos. Eu me envolvi com este moço lindo, dez anos mais novo que eu, ainda aprendendo tanto da vida gay e ingênuo sob alguns aspectos.
Lembro de nossa primeira transa, sua boca quente, seu corpo malhado colado ao meu, seu beijo gostoso e calmo e doce. Ele pediu, disse que nunca havia experimentado, que tinha muita curiosidade e que estava com vontade naquela noite. Com muito cuidado e carinho, nosso sexo foi natural, acabei gozando dentro dele e sua expressão facial mudou de alguma forma que eu não sabia explicar. Um laço forte se criou e ele ficou cada vez mais agarrado a mim.
Eu passava a semana contando os dias para que chegasse a 6ª feira. Ele viria no ônibus das 20h, chegando aqui às 23h. Eu estaria esperando na rodoviária, e nossas carícias já começavam no carro. Aqui, decidíamos se sairíamos ou ficaríamos em casa, matando a saudade, ouvindo música, vendo um filme ou ele simplesmente dormindo com a cabeça sobre minhas coxas depois da transa gostosa. E eu olhando para seu rosto bonito, pensando se deveria dizer ou não o que eu havia planejado.
Criei coragem e propus que ele viesse embora para São Paulo. Que morasse comigo, que mudasse de vida, que arranjasse emprego aqui, que pedisse transferência de sua empresa de engenharia. O rosto dele se iluminou e, por um momento, pensei que esse também era seu desejo. Tivemos essa conversa na noite em que ele chegou de viagem. Na manhã seguinte, ele já não tinha tanta certeza de poder processar tamanha mudança em sua vida.
Eu não quis forçar nada. Deixei que ele pensasse, que voltasse na noite de domingo, pensando na estrada que rumo daria à sua vida, a qual, agora, incluía a minha também.
Já estávamos juntos havia quase um ano. Ainda assim, ele não se sentiu à vontade o bastante para mudar-se para São Paulo e para tudo o que isso exigiria. Fiquei pacientemente ouvindo suas razões – família, cachorro, trabalho (estava difícil conseguir transferência!), amigos, raízes… demonstrei menos decepção do que senti, mas meu amor continuou o mesmo. O problema é que ele já não era mais o mesmo de antes de minha proposta… o medo pode ser paralisante.
Houve um triste fim de semana no qual ele resolveu terminar tudo. Mostrou outras tantas razões para o término e, embora os dois chorassem, sua decisão foi firme e ele não cedeu. Dali em diante, vivemos à base de mensagens que foram se escasseando e eu pensei que ele tivesse encontrado outra pessoa. Sofri, não posso negar.
Seu telefonema, há dois dias, foi um surpresa muito grande para mim. Lembro que, tal qual um adolescente, fui trabalhar mais animado e todos lá do escritório de arquitetura notaram minha diferença. Claro que, nesses três anos, houve outros rapazes, outros planos, outros sonhos, mas nenhum que chegasse perto do que tínhamos vivido.
Agora, sua visita nesta noite fria, ele ainda mais bonito, seus 28 anos dentro de calças jeans apertadas, camisa branca e uma blusa com um tom lindo de azul. Quando elogio, ele diz que foi feita pela mãe, hábil no tricô desde que ele e os irmãos eram crianças. Pergunto se está muito frio em sua cidade. Ele diz que sim, que está muito frio, e que ele precisa de alguém que o aqueça e o proteja.
Nossas pernas se tocam no sofá, que é espaçoso, mas que fica pequeno diante de tanto magnetismo que sinto por esse moço. Sua mão toca a minha, é um aperto carinhoso, um calor que sobe pelo meu braço e chega à minha cabeça. Tenho medo do seu beijo, embora eu não apresente resistência. Sua língua em minha boca, sua barba roçando meu pescoço. Que saudade de tudo isso!
Quanto o beijo e o abraço terminam, ficamos olhando um para o outro. O interfone toca, a pizza chegou. Levanto do sofá e vou até a portaria do prédio pagar o motoboy. No elevador, fico pensando em tanta coisa – um misto de euforia com ansiedade, tesão e medo. E se ele estiver aqui só por uma noite? E se quiser ir embora depois da pizza e do vinho?
Na volta, com a pizza na mão, tento me preparar para todas essas possibilidades e mais uma, que seria a melhor de todas. Decido que vou ouvir o rapaz. Que seja só por esta noite… se assim tiver que ser!
Entro no apartamento e ele já pôs a mesa e a música. Pede desculpas pela liberdade tomada, mas é que “eu já sabia onde estavam os pratos, os talheres, as taças”. Digo que ele fez muito bem. A música é “Mania”, Zizi Possi, a nossa música! (“Vai dizer que você nem desconfia / Que a mania já virou paixão…”).
Quando nos sentamos para comer, tomamos os mesmos lugares que tomávamos quando estávamos juntos. Sua meia roçando minha perna, pois ele tirou os tênis, como sempre fez aqui em casa. Sirvo a pizza, enquanto ele abre o vinho e serve as tuas taças.
Antes de comer, ele olha para mim, meio tímido, aquele jeito de rapaz do interior que parece ter ensaiado sua fala. Brindamos à nossa saúde, tomamos um pouco do vinho que parece nos dar coragem para o “e agora?”.
Olhando nos meus olhos, ele diz com a maior sinceridade de que é capaz:
– Nesses três anos, nunca mais tive ninguém pra valer. É verdade. Eu te amo. (faz uma pausa, pega a minha mão e a aperta). No mês que vem, mudo para São Paulo. Você me dá uma nova chance ? Eu te amo muito!
Respondo com um beijo demorado. O “sim” está implícito e explícito. Nunca senti a falta de alguém como sinto deste moço. Jamais permiti que alguém entrasse na minha vida como permiti que ele entrasse.
E desejo que esta garrafa de vinho seja a celebração do (re)começo de tudo aquilo que tivemos – e muito mais.
Um brinde ao amor!
4 Comments
Uauuu! Adorei
Recomeçar é andar pra frente, mas dessa vez em um caminho totalmente diferente.
Adorei, como sempre, história simples de amor, a qual, precisamos tanto.
Linda a Crônica e eu ansioso para ver se ele ficaria desta vez em SP. Senti a emoção e os medos do personagem mais velhos e suas expectativas. Gostei muito da Crônica e fiquei feliz pelo final e eles terminarem juntos ,mesmo que não seja para sempre.🤗🤗