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ÁLCOOL

A noite se adianta e, lá pelas 3h da manhã, somos poucos na pista de dança. Eu, porque gosto da música; a maioria, porque ainda bebe (bastante) e não tem pressa de sair da boate.

Estou com amigos. De lá, vamos para a padaria 24 horas cumprir nosso ritual de café da manhã na madrugada. Tomo minha garrafa de água gelada, fico perto de um aparelho de ar condicionado e me divirto. É nesse momento que um rapaz chega até mim.

Eu o conheço de vista. Sei que frequenta o lugar tanto quanto eu. Está sempre por lá. Nunca conversamos e ele não me desperta o interesse. Ele se aproxima de mim, lata de cerveja em uma das mãos, sorri, fica parado ao meu lado e, com a mão livre, pega a minha. Olho pra ele com calma, sei que está alcoolizado, e entendo sua ousadia por causa da bebida. Em situações normais, ele não se aproximaria assim.

Pergunta meu nome, que eu, nem sei por quê, minto. Falo um nome qualquer. De alguma forma, sua embriaguez me irrita. Coisas do passado. Ele pergunta se tenho namorado, se sou casado, porque me vê sempre sozinho, sem beijar ou abraçar ninguém. Só com amigos.

Produzo outra mentira. Digo que sou casado, sim, tenho compromisso sério, que é pra ver se ele me deixa quieto. Não quero e não sou grosseiro com o moço de fala enrolada, pastosa, característica de quem exagerou na bebida e não se importa com o excesso. Procuro ser compreensivo.

Diz que me acha bonito. “In vino veritas” (“No vinho, a verdade”), embora ele não deva ter tomado vinho. Faz, então, uma pergunta que me deixa triste por sua condição: “Se você fosse solteiro, eu teria chance?”. Antes de me sentir lisonjeado, fico melancólico por ver um rapaz de seus 40 anos (se tanto!) naquela situação noite após noite. Para deixá-lo feliz, digo que sim, com um sorriso. Digo o que ele queria ouvir. E só. Procuro me afastar, mas ele continua apertando minha mão. Oferece um pouco de sua (centésima) cerveja. Digo que não quero. Ele pergunta se não bebo. Quando digo que só bebo água, ele fica olhando pra mim, com aqueles olhos meio parados, próprios de quem está tomado pelo álcool. Ele acha um absurdo: “Só água?”. Dois dos meus amigos veem a cena e começam a rir. De onde estão, entenderam a situação constrangedora.

Finalmente, consigo me soltar dele, e o rapaz, assim como veio, vai embora, pra outro canto da boate, pro banheiro talvez, e lá se demora um pouco. Passados alguns minutos, vejo-o abordar um outro. Acho que com o mesmo papo que jogou em cima de mim…

Já é hora de vir embora e saio de lá com os amigos. No caminho até a padaria, dentro do táxi, vou pensando naquele rapaz alcoolizado, noite após noite, que eu sempre vejo e que sempre me vê. Ele não faz mesmo o meu tipo e, mesmo que fizesse, seu hábito de bebida cortaria qualquer interesse que ele despertasse em mim.

Como ele, são muitos! Muitos que não conseguem se divertir sem estarem embriagados. Deprimidos, solitários, melancólicos ou apenas viciados. Aqueles que vão à boate, enchem a cara e são inconvenientes. Dão problemas para os seguranças e constrangem seus amigos. E há aqueles que bebem e ficam ainda mais tristes, num canto qualquer.

Também tenho meus vícios, minhas válvulas de escape. Claro que não sou um poço de virtudes.

Vou pensando tudo isso na breve viagem de 15 minutos até a padaria. Não vamos caminhando porque isso não é aconselhável numa cidade como São Paulo, às 3h da manhã. Enquanto meus amigos vão rindo e conversando no banco de trás, eu vou do lado do motorista. Deixo a brisa da madrugada bater no meu rosto. E torço para que os homens embriagados, de todas as boates e de todas as madrugadas, cheguem às suas casas sãos e salvos.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

2 Comments

  1. Professor, meu pai era alcoólatra – a pessoa com quem convivi por 8 anos adorava um “buteco”, e quando bebia causava muitos constrangimentos. Para mim foi muito difícil tudo isso, há anos evito lugares que possam causar certos aborrecimentos, principalmente quando há bebida.

  2. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Bela crônica. Real, inconteste, atual.
    A realidade está insuportável para mentes vacilantes. Então é preciso um suporte, uma muleta ou uma “proteção” qualquer. Parece que o álcool está a pouca distância quase sempre.
    Parabéns pela crônica

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