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AMOR 5G

Quando o Paulo resolveu fazer uma tatuagem no braço esquerdo com o nome do novo namorado, a turma se opôs:

– Não é muito cedo, Paulinho? – perguntou a sempre doce Mônica.

– Tá louco, cara? Você nem conhece o outro direito e já vai fazendo uma tatuagem, assim, sem pensar! – alertou o João, mas os amigos deram um desconto, porque a paixão do João pelo Paulo era do conhecimento de todos. E vinha de longe.

A Suzy foi um pouco mais jeitosa: – Paulo, espera um pouco. Tatuagem é coisa complicada, fica na pele, dá um trabalhão e é muito caro pra tirar se você se arrepender. Deixa o tesão virar amor, meu querido.

Apesar de tudo isso, o Paulo resolveu que amava o novo namorado e que ele merecia aquela homenagem. Ia ficar bonito: “Leandro” no braço malhado, com letras bem coloridas, um coração transpassado por uma flecha e esses clichês todos de quem ama ou acha que ama.

O Paulo tinha 18 anos; o outro, 20. Conheceram-se por um aplicativo de paquera num dia bem chuvoso, em que os dois rapazes estavam com um tédio enorme da vida. Um estava em cima da cama, sozinho, no quarto, enquanto a irmã mais nova jogava alguma coisa no celular; o outro, o Leandro, estava entalado no trânsito e, como a coisa não andava, resolveu mexer no celular etc.

Combinaram um encontro no fim daquela tarde mesmo. O outro morava com amigos, mas estaria sozinho mais tarde. Paulo topou. Não conversaram muito. Proposta feita, proposta aceita. Uma hora depois, estavam os dois, nus, na cama do mais velho. A transa foi boa, saíram para comer um  McDonald´s e para tentarem conversar um pouco.

Entre uma batata frita e outra, falaram um pouco de si mesmos. Entre uma mordida e outra no hambúrguer, risadas, pernas roçando por debaixo da mesa. Depois dos sundaes – de morango pro Paulo, de chocolate para o Leandro –, a troca de telefones, os planos para se encontrarem no dia seguinte, a perspectiva de mais transa. Encontraram-se, transaram, mas, desta vez, foram à lanchonete do dia anterior só depois do cinema. O filme foi do Batman, com planos de verem o do Homem Aranha, do Hulk, do Capitão América e do Super-Homem.

– Cara, adoro esses filmes! Muito, muito bons! – disse Paulo, dando ao outro um pouco mais de informações sobre seus gostos e preferências.

Depois de uma semana inteira de sanduíches, refrigerantes, transas e cervejas (no apartamento do mais velho), o pedido de namoro de um deles. Não ficou muito claro pra turma quem é que tinha tomado a iniciativa, mas foi o João que soltou, quando o Paulo não estava com eles, claro:

– Deve ter sido o pamonha do Paulo que pediu o tal de Leandro em namoro. Nem conhece o fulano, encontrou num aplicativo de putaria e já quer namorar. Absurdo.

Mas todos sabiam que, embora estivesse certo, o que movia o João era o ciúme. Mais do que isso: a frustração e a tristeza. As meninas da turma ficavam com pena do amigo cuja paixão não era correspondida. Fazer o quê, né?

Desnecessário dizer que, quando o Paulo apresentou o namorado pra turma, a coisa não foi lá muito legal. As meninas e os namorados delas foram simpáticos; o Edu, o Matheus e o João, todos gays, não foram muito com a cara do cidadão, mas se mostraram educados, pelo menos. Encontraram-se num bar com mesas e cadeiras na calçada, tarde de sábado. Foi o João, por motivos óbvios, quem arrumou uma desculpa e se mandou mais cedo. A Suzy pôde jurar que viu o amigo segurar o choro.  

Agora, já são dois meses de namoro do Paulo e do Leandro. Um recorde para ambos! Dois meses de muito fast-food, muito filme de super-herói, muitas mensagens de Whatsapp, muita foto no Instagram, muita transa e muitas juras de amor. Nesse cenário, nada mais natural, pensou o Paulo, que ele fizesse uma tatuagem com o nome do namorado.

Ele não falaria nada. Na próxima transa, assim que tirasse a roupa, o outro veria o bração malhado com a tatuagem e teria a certeza do amor do Paulo. E o Paulo, claro, abriria um sorriso ao ver a cara de surpresa do Leandro.

Foi pouco antes disso que, numa tarde também chuvosa, o João passava de moto pelo centro da cidade e viu o namorado do Paulo saindo de uma sauna gay muito conhecida. A vontade do João foi passar com a moto por cima do outro – não só por ele ser namorado do Paulo, mas por estar enganando o amigo querido.

O João estacionou a moto e pegou o celular para ligar pro Paulo e relatar o que havia visto. Não tinha prazer naquilo, não mesmo! Ligava em nome da amizade que tinham, amizade de tantos anos.

Quando o Paulo atendeu, o João ficou surpreso:

– Paulinho? Tudo bem? Cê tá chorando, cara? O que houve?

E foi a vez do Paulo falar que o outro terminara o namoro. Terminara antes do Paulo lhe mostrar a tatuagem. Terminara antes do Paulo mostrar o quanto já amava o Leandro.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Esse lance de tatuar o nome do “amor” não é legal! Meu sobrinho fez, anos depois, terminaram, sorte que ele conseguiu cobrir o nome da cidadã. Tive amores, sim, tive, mas não a esse extremo de fazer uma tatuagem! Encontrei-me com meu ex dias atrás, ficamos uns 20 anos sem nos ver e falar, nosso relacionamento foi intenso, duradouro, foram 12 anos. Quando o vi, bateu aquela coisa, fiz de tudo para nos encontrarmos, e claro, irmos para cama, aconteceu, e foi uma decepção, pelo menos para mim. Eu quis recuperar o que não existe mais, ou melhor, esse “amor”, não mais.

  2. Clarice keri disse:

    Triste mesmo saber que nada é eterno, bonita história.

    • Baltasar Pereira disse:

      Fiquei muito curioso em ler toda a Crônica, pois torcia para que João e quem não acreditasse no namoro visse que estavam enganados. Ledo engano, infelizmente a Vida como ela é e sempre será. Encontros que são verdadeiros Desencontros e Encontros que são reais Encontros.
      Situações da Vida pela quais quase todos nós passamos.
      Com isto vamos amadurecendo,entretanto o pior é quando nos tornamos frios .
      Bela Crônica na qual a curiosidade não deixava que parasse de ler.👏👏👏

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