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ATOR PORNÔ

Há uma semana, revistas americanas, inglesas e australianas especializadas no mundo LGBT+ despertaram  polêmica e discussão entre seus leitores com uma matéria que trazia a seguinte manchete: “Estrela de filme pornô compartilha a surpreendente reação da família à sua profissão secreta”.

É o seguinte: o cidadão, chamado Drew Valentino – e não sei se isso é nome artístico ou verdadeiro –, disse que resolveu “sair do armário pela segunda vez”: contou pra família que fazia filmes pornôs e era bem sucedido. No tal Instagram, escreveu ele: “GRANDE alívio descobrir que minha família inteira me apoia e torce por mim. Voei para casa no Dia dos Pais (que é comemorado em junho, nos Estados Unidos) e meu pai estava usando esta camiseta”. Aí, vem a foto dele com o pai e a tal camiseta na qual se lê: “Pai orgulhoso de uma estrela pornô”.

Ele, a certa altura, diz que sua culpa foi aumentando à medida que seu sucesso foi crescendo nos filmes adultos. “Eu me sentia culpado não porque os filmes pornôs eram um coisa errada ou não-saudável, mas porque eu mantinha tudo isso em segredo. Mentir era a única parte errada ou não-saudável”.

A matéria também relata que seu pai, quando o moço se revelou gay, foi muito compreensivo e carinhoso. “Não me importo com quem você ame. Você é meu filho, e isso sempre virá primeiro”. Depois dessa revelação, Drew contou que estava fazendo filmes pornôs e saiu de casa. Isso foi em março. Quando voltou para o Dia dos Pais, foi surpreendido com o pai usando a citada camiseta.

O fato em si é muito interessante sob vários aspectos. Primeiro, o moço dizer abertamente para a família que faz filmes pornográficos gays – creio que, se ele fosse hetero e seguisse a mesma atividade, teria mais aprovação ou menos reprovação por parte das pessoas, nesta sociedade machista em que vivemos. Depois, a própria reação do pai surpreende. A maioria dos homossexuais contam com a cumplicidade da mãe quando saem do armário; a cumplicidade e a compreensão do pai são comportamentos mais raros.

Além da matéria em si, o que me chamou a atenção foram os comentários dos leitores – supostamente homossexuais também e de todas as idades. Li coisas como: “Sou muito a favor do sexo, mas isso é uma coisa que eu nunca faria. Eu me sentiria mortificado se minha mãe ou meu pai vissem meus vídeos ou fotos”. Um outro, logo em seguida: “Pensei a mesma coisa. Por mais que o pai apoie o rapaz, não consigo imaginá-lo assistindo a qualquer filme do filho”.

Um outro leitor foi mais adiante e comentou sobre a própria indústria pornográfica: “Não acho que as estrelas do pornô devam se envergonhar do que fazem. Sorte dele (Drew) que esteja tudo bem com seu pai. Vejo tantas estrelas pornôs tendo problemas sérios com drogas, depressão e suicídio e ‘o que eu faço agora’ quando param. Espero que ele se mantenha longe dessa confusão toda”.

Houve um que fez uma comparação com os velhos tempos: “Espero viver pra ver o dia em que as pessoas não tenham vergonha de trabalhar na indústria pornô. Vamos nos lembrar de que, há algum tempo – não muito tempo atrás, se pensarmos bem –, a própria arte de interpretar era vista com desdém pelas ‘pessoas decentes’.

A pergunta de um outro leitor: “Isso (contar pro pai) foi mesmo necessário?”. Houve quem tirasse sarro: “Não creio que esta camiseta do pai vá vender muito” e “Sexo é uma parte da minha vida para a qual meus pais jamais foram convidados – e continuarão assim”. E um outro, mais raivoso: “Estrela de filme pornô – vamos parar com essa merda de ‘estrela’!”.  

E a coisa vai adiante. São muitos comentários. É a internet dando oportunidade para todos se manifestarem e se expressarem diante de uma notícia.

Resolvi escrever este texto porque ele me pôs a pensar em como sou conservador quanto à privacidade da minha vida sexual diante de minha família. Embora meus irmãos saibam de minha homossexualidade, esse não é um assunto que comentamos abertamente. E, quando meus pais eram vivos, menos ainda. Com os amigos, é outra história!

Meu comportamento é fruto da minha idade, da minha criação, do meu jeito de ser? Ou das três coisas juntas?

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Eu continuo no armário, e continuarei assim! Sou conservador, não me exponho, claro, para amigos “do meio” é outra coisa. Minha família sabe da minha orientação, antes se falava “opção”. A verdade é uma só, somos gays e pronto, gosto de homem, Na cidade onde resido, uma boa parte da população sabe que sou gay! Não falo abertamente, sempre deixo uma interrogação. Ontem mesmo passei em um comércio, o cidadão que me atendeu é gay, a cidade toda sabe. Conversa vai, conversa vem, ele me disse , “ah, meu namorado…” Vejo que chegamos em uma evolução, eu não consigo acompanhar, e nem sei se conseguirei. Enfim, cada um, cada um, já o rapaz que faz filmes pornográficos, ele é maior de idade, os pais na maioria das vezes defendem a sua cria com unhas e dentes. Outra coisa, nada que uns 5 minutinhos de fama…

  2. Baltasar Pereira disse:

    História muito interessante. A Vida Real com suas Histórias são muito mais interessantes que Filmes,Teatro,Literatura e etc…
    Como é bom ver reações como a deste Pai e de sua Família.
    Considero como trabalho o deste rapaz,não crítico,pois cada um sabe onde aperta seu calo ou o que realmente quer fazer em sua Vida.
    Como sempre, existem milhares de opiniões.
    Até aí tudo bem ,o problema é quando usam palavras de baixo calão para ofender as pessoas.
    Divergir,mas respeitar .
    Bela Crônica que mostra a Vida como ela é, como diria o Grande Nelson Rodrigues.

  3. Clarice keri disse:

    Adoro ler sobre seus sentimentos, e acredito ser do íntimo de cada um se expor ou não, ou ser aceito pela família como é, mas também acho que a vida sexual de cada um é só sua, gosto do seu lado conservador, texto ótimo, obrigada.

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