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BLA ÖGON*

“É sempre bom fazer um intercâmbio – principalmente quando o que se troca envolve o prazer de ambas as partes e o que fica são os efeitos de uma inesquecível experiência”.

Ele ri e me dá um beijo quando lhe digo que gostaria de conhecer o inverno sueco (“It´s terrible, dear!”). Segura minha nuca com força, o beijo é demorado, sua língua dentro da minha boca, lábios carnudos, fico pronto pra outra transa. Estamos sentados no meu sofá, rádio tocando música em volume baixo, uma de suas mãos por trás da minha cabeça, a outra segurando uma lata de cerveja gelada.

Olha o relógio e vê que faltam só cinco minutos para começar o jogo da Suécia pela Eurocopa. Pergunto por que, em vez de viajar pra cá, não foi ver os jogos no estádio, afinal qualquer país da Europa é mais perto da Suécia que o Brasil. Ele me diz, em perfeito inglês, e dando um sorriso lindo: “Because I had to know you… that´s why!”. Faço cara de quem acredita desconfiando, ele sorri de novo e me puxa para perto com um beijo mais demorado dessa vez.

Depois de nosso terceiro encontro, fechou a conta do hotel e veio aqui pra casa. Na verdade, não era para eu estar na cidade: de última hora, cancelei uma viagem às cidades histórias de Minas com um grupo de amigos e resolvi ficar por aqui, aproveitando minhas férias com meus livros e filmes. Quieto, sossegado, sem hora pra nada. Só saí para ir a um bar, festa de aniversário do namorado de uma amiga – e encontrei essa criatura loira bebendo cerveja sozinho, numa mesa afastada, quando fui ao banheiro. Sorriso, cumprimento, “Do you speak English?”, “I do”, “Great. Sit down a little bit”, “May I?”, “Let´s get outta here” e… cama!

Sueco de Estocolmo, Thor diz que não deixou ninguém lá. “Nem esposa?”, “Of course not!”. Eu dou risada, simplesmente porque eu não teria nenhum problema com isso. Não tenho. Ele diz que só veio ao Brasil pra me conhecer, pra me encontrar. Eu digo que só fiquei em São Paulo para esperá-lo, afinal um anfitrião não abandona seu hóspede… quem é mais cínico e safado?

E, em meio a brincadeiras, abraços, beijos, mãos e agarrões, fico pensando nesse tipo de coincidência e em como a vida da gente às vezes sai do roteiro. Ele está aqui em casa há cinco dias, diz que ficará no Brasil por mais dez, mas cancelou a viagem ao Rio. Eu lhe disse que ele deveria ir, que não deveria mudar os planos, que era uma decisão precipitada etc. Sempre achei que o povo “lá de cima” era esquematizado, detalhista, certinho, bem quadrado e organizado. Ele, não: decide ficar assim comigo, numa aventura inconsequente, não planejada, em meu apartamento numa cidade que não tem verde nem praia, que mal tem atrações turísticas decentes. E está gostando.

Sempre de bermuda e camiseta, não sente o frio que faz em São Paulo neste mês de julho. “Cold, what cold?”. Bem, comparado ao inverno deles, o nosso é uma primavera ou verão mesmo. Toma muita bebida gelada, adora a batida de maracujá que lhe faço; apresento outras: de limão, de coco, de abacaxi… e vou mostrando a ele um pouco do que sei de nosso clima tropical.

Muito prestativo, vive comigo na cozinha dividindo as tarefas. Hóspede educado, agradável e gostoso! Adora vitamina de frutas (não conhecia) no café da manhã e acha o máximo quando comemos pastel de feira no domingo. “Pastel? What´s that?”. E, depois do terceiro, pede mais um: ” It´s delicious!”.

Ele parece tentar desfrutar de uma liberdade que nunca teve. Acho estranho, pois ele vem de um dos países mais livres da Europa… pelo menos é o que se sabe por aqui. Seus modos são descontraídos e alegres sem jamais serem invasivos ou desagradáveis. Não toma banho sozinho – basta entrar no chuveiro que me puxa para lá e transamos uma, duas vezes debaixo da água quente. Ele é um pouco mais velho que eu, coisa de dois ou três anos. Somos de signos do fogo, e, quando digo isso, ele faz uma cara de quem não entende e não acredita nessas coisas. Nem precisa…

Seu corpo coberto de pelos dourados é irresistível, mas resisto à tentação de chamá-lo de Deus do Trovão, embora eu seja fã do martelo que traga no meio das pernas (um pouco de vulgaridade não faz mal a ninguém…). Não posso ficar ao seu lado sem me excitar, sem aumentar o volume de meu moletom. Ele é um pouco mais alto, a calvície já começando, o peito coberto de pelos que se juntam aos da barriga, esses aos pelos pubianos que se emendam com os das grossas coxas. Diz que joga vôlei na Suécia, mas só nos fins de semana. Precisa voltar a correr, mas só fará isso depois das férias. Tem uma bunda maravilhosa, dura, forte; o pau é proporcional ao restante do corpo – grande, uma cabeça rosada que se assemelha a um grande cogumelo. E ele adora um sexo oral – na frente e atrás, principalmente atrás. Eu estou sempre pronto para alegrar meu hóspede! Dou-lhe o melhor sexo oral que consigo, e ele goza mais de uma vez com minha língua dentro dele. Sua boca em mim também faz estragos. E viva a Suécia!

Deixa escapar algumas palavras em sueco durante nossas transas e, diante da minha curiosidade, diz o que cada uma significa. “I don´t cum in English, man”. Eu dou risada: “Neither do I”.

Em uma tarde fria, eu venho da cozinha com duas xícaras de chocolate quente e o surpreendo debruçado na minha janela, olhando a cidade lá embaixo. Fico um pouco constrangido pela falta de charme de que São Paulo é vítima – prédios pichados, calçadas sujas, a praça aqui perto detonada e destruída por jovens praticantes de skate, carros que passam com uma música horrorosa e alta, a nossa falta de educação nas pequenas coisas.  Ele nada diz e, se pensou o mesmo que eu, nunca confessou. Ele parece se divertir com tudo isso – a cidade, a comida, minha casa, nosso sexo, nossa… eu poderia dizer amizade? Mas não transo com amigos!

Thor não se preocupa em saber de minha vida particular, e eu faço o mesmo. Pra que perder tempo com conversas de antigos namorados, antigas transas, antigas decepções ou alegrias? Nada disso é assunto de nossas conversas. Vejo que um canal de filmes clássicos vai reprisar “O Sétimo Selo”, de Bergman. Ele me confessa que nunca viu o filme. Compramos uma sopa e muito pão italiano no restaurante aqui perto e, sentados no sofá, assistimos ao clássico sueco. Eu já tinha visto e gostava. Ele gostou também.    

Há momentos em que eu o pego me olhando com seus grandes olhos azuis, penetrantes, límpidos e claros. Conto a ele o que um professor meu disse uma vez para uma amiga minha em sala de aula: “Seus olhos azuis têm a placidez de um lago alpino”. Ele ri: “Your teacher was in love with your friend…”. Eu rio também e digo que é fácil se apaixonar por olhos assim. Ele me agarra, a gente se beija muito enquanto minha mão vai por dentro da camiseta dele deslizar entre os pelos de seu peito.

Deixo escapar que adoro homem de barba. Ele, que já não fazia a sua havia três dias, apenas a acerta e fica o resto dos dias de rosto barbudo, gostoso, sexy e tentador.

No sábado, levo o homem para comer a tal feijoada que ele me cobrava. Eu não como, porque não gosto daquilo. Ele gosta e abusa da caipirinha, outra curiosidade sua. Fica vermelho, não sei se pelo sol fraquinho desse inverno paulistano que atinge nossa mesa na calçada ou por causa do álcool. Depois do almoço, parece sonolento. Pergunto se ele quer voltar pra casa. “Yes, please. I need a bed.”. Voltamos, ele me abraça no elevador e tento aguentar o peso desse homem que é só massa muscular. Um menino loiro e bonito…

Tiro sua roupa e o deixo somente de cueca quando o deito em minha cama. Ele agradece e deita de peito pra cima, aquele peito que me perturba e me fez pensar somente em sexo. Controlo-me e vou à janela para fechar tudo e deixar o quarto bem escuro. Eu não bebi, estou sem sono. Fecho a porta do quarto e volto para a sala.

Leio um pouco, ouço música e espero que ele acorde. Já são 6h da tarde de um sábado frio, agradável, bom para se ficar em casa com as coisas de que mais se gosta. Ele acorda e, vestido somente de cueca e meia, vem bocejando, mas nem isso faz dele uma pessoa grosseira. Senta-se no tapete e põe a cabeça em minhas pernas. Pergunto se dormiu bem. “Yes, I did. But I missed you”. Dou risada e pego o seu queixo quando ele levanta seus olhos azuis para mim. Passo a mão por sua barba e seu cabelo. O beijo é demorado (sempre o é entre nós) e fico excitado de novo.

Ele se levanta, vai até minha estante e vê os CDs do ABBA. Ri quando me pergunta se gosto deles. “Gosto muito, desde criança, apesar do que possam dizer. Eu não me importo. Adoro!”. Pego o disco de 1979 – “Vouzes-Vous” e vou diretamente a uma de minhas canções favoritas : “Angeleyes”. Peço para que ele ponha sua cabeça sobre minhas pernas e estique as suas no sofá. Faço carinhos em sua cabeça, ele quase volta a dormir, fingindo que não sabe que a música foi escolhida pra ele. Thor presta atenção à letra e, de repente, olha-me bastante sério, aqueles olhos azuis dentro dos meus, olhos que parecem pedir alguma coisa.  Ele os fecha.

Deixo a música tomar conta da sala e fecho os olhos também. Sei que tudo isso vai acabar em breve, mas procuro não pensar. Depois de muito tempo, sinto-me bem na companhia de um homem – talvez porque ele realmente tenha olhos de anjo.

 

*Bla Ögon = olhos azuis, em sueco

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Fernando Padua disse:

    as experiências são únicas…
    ou você as vive ou se lamenta por não tê-las vivido.
    o diferente é excitante [cidade de são paulo]!
    e viva a suécia no brasil…

  2. Baltasar Macias Pereira disse:

    Que crônica deliciosa. Eu consegui me ver dentro do apartamento e até imaginando ele bêbado. Leitura gostosa que retrata as muitas Histórias que ocorrem nas grandes e pequenas cidades. 🤗🤗

  3. Nada como uma pessoa “deliciosa” do nosso lado.🔥🔥

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