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CILADA

Às vezes, um feriado pode proporcionar muito mais do que um simples descanso… às vezes, é pelos olhos dos outros que tomamos consciência de quem somos realmente.

CILADA

Sexta-feira, véspera de feriadão, ele sai do escritório exausto, de saco cheio com mais uma semana repleta de enroscos, complicações e problemas de toda ordem. Entra no carro, sabe que vai pegar um congestionamento enorme de volta pra casa – todos querem aproveitar os quatro dias de feriado com volta só na quarta-feira – e assim liga o ar condicionado, põe uma música tranquila e liga pra esposa perguntando se ela já está de malas feitas.

Do outro lado da linha, ele ouve que ela não quer mais viajar. Não está a fim de pegar estrada, congestionamento, praia lotada, supermercado com filas enormes, falta de água e todas essas maravilhas tão características de feriadões no litoral. Não, definitivamente, não quer enfrentar tudo isso como na época do Natal. Prefere ficar na cidade vazia, almoçar num shopping qualquer, visitar amigas, pegar um cinema, ver as toneladas de DVDs que eles têm em casa e nunca tiveram paciência de assistir.

-Vá você com as crianças, Breno. Eu fico aqui muito bem sozinha, não se preocupe comigo, não. Pra falar a verdade, estou de saco cheio de praia…

Ele segura sua irritação, não explode com ela, acha melhor não se exaltar enquanto dirige e simplesmente responde: -Você é que sabe… eu vou! Preciso ficar longe disso tudo um pouco.

Em seguida, liga pra filha e lhe dá opção de ir com ele ou ficar com a mãe, tanto faz. A esta altura, não se importa com mais nada e ninguém. Cada um que resolva sua vida. Os filhos estão bem crescidinhos. A moça tem 22 anos; o rapaz, 19. Depois de dizer pra ela que a mãe não irá descer, ouve a resposta da filha dizendo que ela também ficará em São Paulo. Fará uma prova “bucha” na faculdade de Odontologia e passará o feriadão estudando e dando uma volta com os amigos em algum destes quatro dias.

Resta a ele perguntar pro filho o que este quer fazer. Liga no meio do congestionamento e tem todo o tempo para conversar com o rapaz – a quantidade de carros nas ruas está um horror. Quando o filho atende, ele repete a pergunta: -Filho, vou descer pra praia hoje e só volto na noite de terça… sua mãe e sua irmã não vão. Estão com frescura e, se é pra aguentar as duas com cara de bunda na praia, prefiro que fiquem por aqui mesmo. E você?

O rapaz diz que tem provas na faculdade de Direito, mas, quer saber?, vai descer, sim. Quer tomar banho de mar, surfar um pouco, pegar uma cor, acabar com esse bronzeado verde-musgo que a cidade deixa nas pessoas. – Pai, vou com você. Chego em casa por volta das 9h da noite. Dá pra me esperar?

O pai diz que sim e fica contente porque terá a companhia do filho por quatro dias, só os dois, sem as chatas da esposa e da filha. E há quanto tempo eles não têm um tempo para se curtirem, pra curtirem coisas de homem, pra falarem coisas de homem, pra ver coisas de homem na TV, pra, enfim, ficarem mais à vontade? De alguma forma, a companhia do filho injetou-lhe um novo ânimo. Sim, o feriadão seria prazeroso com apenas os dois no apartamento de 300 metros de frente pro mar.

Cinco minutos depois, seu celular toca. É o filho: -Pai, posso levar um amigo aqui da faculdade? Ele é muito bacana, não tem família aqui em São Paulo, mora aqui por causa dos estudos… ele é gente fina, pode ficar tranquilo.

O pai responde que sim, contanto que não seja nenhum maconheiro para empestar o apartamento… os dois riem, o garoto assegura que não, o amigo não é maconheiro e nem usa qualquer tipo de droga. Então, serão três no fim de semana. Ele terá a companhia de dois adolescentes… quem sabe isso não lhe faça bem e ele se rejuvenesça um pouco! Aceita a ideia com prazer e otimismo.

Quando chega ao apartamento onde mora, larga a valise no quarto, toma uma banho gelado por causa do calor, veste uma camiseta branca, uma cueca também branca que realça seus pelos e seu pênis colocado para baixo (criando um volume considerável), uma bermuda cinza e um par de tênis pretos. Pronto! A melhor maneira de viajar no calor: uma roupa confortável e leve. Senta-se na sala, conversa com a esposa sobre as notícias do telejornal e espera pelo filho que disse que estaria em casa por volta das 21h. Quer pegar a estrada logo – quanto mais cedo sair, mais cedo chegará ao apartamento no litoral norte. O filho é pontual. Ele ouve o barulho da chave e a porta se abrindo. Ele está de costas pra porta, de modo que cumprimenta o filho sem olhar pra ele. O rapaz diz: – Pai, esse é o Pedro, meu amigo lá da faculdade. Pedro, este é meu pai, Breno; minha mãe, Sandra… mãe, a Sara ainda não chegou?

O pai se vira para cumprimentar o rapaz e, no mesmo instante, sente uma certa perturbação ao olhar para os olhos do rapaz à sua frente: cabelos bem pretos, olhos verdes, barba bem cuidada, braços fortes de quem faz academia (“Todos eles fazem!”, pensou.), 1,75 de altura, sorriso largo e muito simpático. Estende sua mão, cumprimenta o outro com um aperto de mão forte e firme e é correspondido. Rapidamente, o filho faz as malas auxiliado pelo amigo. Depois da conversa de praxe, os três se despedem da mulher e vão pra garagem pegar o carro do pai que insiste em ir dirigindo, apesar do oferecimento do filho para irem no carro deste.

-Pai, vou no banco de trás, assim posso me esticar e dormir na estrada. O Pedro vai na frente e vocês podem ir conversando e se conhecendo. O Pedro é gente boa, você vai ver… inteligente pra caramba. Vai ser um ótimo advogado.

O amigo fica constrangido, um pouco vermelho de vergonha e diz que o outro é exagerado.

Breno sorri e diz que o filho pode ser exagerado. -Exagerado, mas não mentiroso. Se o Marcelo diz que você é bom aluno, eu acredito, Pedro. Vamos embora!

A estrada, como era de se imaginar, está um caos. Logo na saída da cidade, um trânsito horrível. Breno procura não se irritar muito, concentra-se na música e na conversa divertida dos dois jovens que o acompanham. E a primeira hora da viagem se passa nesse clima de descontração…

Depois de três horas, ainda no meio e um trânsito intenso, o filho se deita no banco de trás e, antes de adormecer, pede: -Me acordem quando a gente chegar, tá? Tô cansado pra caramba… Breno olha pra Pedro e sorri como quem diz: -Esse é um dorminhoco… e ainda queria dirigir pra nós. Imagina o perigo?

Olhando para a frente sem tirar os olhos da estrada, o garoto cria coragem e diz: -Perigo é ficar assim perto do senhor, nesta estrada de madrugada, com pouca luz…

-Como? Não entendi, Pedro. O que você disse?

-Perigo, seu Breno, é ficar perto do senhor assim… desculpe, mas estou excitado desde que vi o senhor lá na sua casa. Nunca imaginei que o senhor fosse tão bonitão. Desculpe, mas eu tinha que falar…

-Você curte homem, Pedro? Homem mais velho?

-Só homem mais velho, seu Breno. E o senhor tem tudo o que eu gosto… bonitão, atlético, peludo, grisalhão. Nunca falei nada disso pra ninguém lá da faculdade, ninguém sabe de mim, nem seu filho… Pedro tá roncando, como dorme!

-O que você gostaria de fazer comigo, Pedro?

-Putz, seu Breno, qualquer coisa, tudo… sei lá! O senhor me intimida, mas, ao mesmo tempo, me excita muito. Tô de pau duro agora. Olha só…

Por um momento, o homem mais velho fica olhando a estrada, sem coragem de virar o rosto para aquele adolescente um tanto atrevido e tímido ao mesmo tempo. Muita coisa se passou por sua cabeça naqueles segundos – a mulher em casa, a filha na faculdade, os sócios da empresa, o pai chutando a primeira bola e lhe dando o primeiro dinheiro para “conhecer mulheres” e, sobretudo, o filho que dormia no banco de trás. Pensou em tudo isso e achou uma loucura que aquele adolescente estivesse lhe falando aquilo naquele momento.

Não conseguiu disfarçar quando ele também experimentou uma ereção sob a bermuda. Só teve tempo de olhar quando as mãos do rapaz deslizaram sobre sua coxa cabeluda e alisaram seu joelho. Pegou a mão do rapaz com força, apertou-a e manteve-a sobre a mesma coxa que o outro alisava.

A viagem durou mais duas horas. Quando o filho acordou, já estavam na garagem do apartamento no litoral. Subiram com as malas em silêncio; um estava sonado demais para conversar; o outro, calado e um tanto tímido; o mais velho, profundamente perturbado com tudo o que ouvira e fizera na estrada pouco iluminada.

Pedro ainda dormia quando, no meio da noite, o amigo se levantou e saiu do quarto. Bateu de leve na porta do pai do amigo e pediu para entrar. Breno estava só de cueca, ar condicionado ligado, uma janela de vidro que mostrava o negrume silencioso do mar lá embaixo. O abraço foi forte, o beijo foi demorado. Penetrou o rapaz devagar, mas com firmeza. Breno experimentava ali uma sensação que jamais conhecera em seus quase 50 anos de vida!

Pelo buraco da fechadura, o filho assistia a tudo e maldizia:

-Droga, perdi a aposta!

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Há quase 50 anos, o pai dando o famoso “truque”.

  2. Baltasar Macias Pereira disse:

    Nossa adorei está crônica. O Final me surpreendeu e muito. Fiquei curioso e não parei de ler até chegar ao final. Muito bom.🤗🤗

  3. Daiana Marcelino disse:

    Uau!

    A qualidade do texto me prendeu até ler o final. Muito bom!!!

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