O coração humano é terra em que ninguém pisa, isto é, terra repleta de mistérios e incoerências. A sexualidade também – frequentemente nos surpreendemos com os segredos que as pessoas trazem dentro de si.
CURIOSIDADE
Ele tem 35 anos. É alto, 1,80m; cabelos e barba pretos. Houve uma tarde em que chegou do almoço todo ensopado – a chuva o pegou no caminho do restaurante para o banco e ele não teve como se esconder. Estava atrasado, tinha que voltar e não podia ficar esperando a chuva passar. Foi uma tempestade de janeiro, verão intenso na cidade, e a camisa branca colada ao corpo me revelou o peito peludo, combinando com a barba em espessura e cor.
Nossas mesas ficam uma ao lado da outra. Trabalho aqui há menos tempo que ele – três anos. Ele está neste banco há cinco. Quando cheguei, ele foi um dos mais receptivos. Ambos trabalhamos no departamento jurídico. Somos advogados, eu sou mais jovem que ele – 27 anos. Faz três anos, portanto, que convivemos diariamente. O ambiente é de camaradagem. Várias vezes, encobrimos coisas um do outro pra chefia não descobrir. Nada de grave, mas somos cúmplices. Na verdade, somos um pequeno grupo de advogados. Cinco no total. Equipe competente, homens que amam o que fazem e vamos em frente.
Os outros três não me atraem fisicamente. No grupo, sou o mais jovem. Minha sexualidade é conhecida de todos. Para a chefia, basta que eu seja discreto. Para minha equipe, o ambiente é de descontração. Os 4 são heteros, mas adoram ouvir minhas histórias de boates e pegações. Ele vai se casar no próximo fim de semana. Os outros três são casados, têm filhos, já estão na casa dos 40 anos.
Nossos almoços são sempre divertidos, isto é, quando não temos pepinos para resolver no banco. Comemos quase todos os dias num restaurante da Alameda Santos, perto do escritório, que fica na Avenida Paulista. Somos cinco engravatados – três barbudos – que atraem os olhos da mulherada e isso também é motivo da tiração de sarro: cada vez que uma mulher olha pra mim, eles começam: “Aí, hein… destruindo corações femininos!” ou “Ah, vai mudar de time. Vai ver o que é bom é não vai resistir” ou então “Xi, essa Fanta é Coca. Eu já sabia…” . E eu rio com eles. Grandes companheiros de trabalho.
No almoço desta terça-feira, o assunto, óbvio, é o casamento dele. Tudo pronto, tudo organizado para a tarde de sábado próximo; começamos a conversar sobre a festa, a igreja, o apartamento montado, a viagem de lua de mel, o buffet e essas coisas todas que envolvem tal acontecimento. São 13h de uma tarde agradável de abril, outono em São Paulo. Ele, mais uma vez, explica que a noiva queria se casar em maio etc. Não conseguiram data na igreja que ela também escolheu, por isso ficaram com o mês de abril mesmo. Pra ele, tudo bem. Diz pra nós que nem queria festa e essa gastança de dinheiro, mas os pais da noiva insistiram.
Faço cara de triste, mantenho-me em silêncio, até que alguém pergunta por que estou calado. Dou risada, paro a representação e digo que estou de luto porque ele vai se casar, vou perder o “amor da minha vida” para uma mulher, não sei o que fazer. Todos riem e eu digo olhando pra ele: “Que desperdício não ter você na cama! Um homem desses era tudo o que eu queria na vida!”. Um do grupo diz: “Que cantada, hein… à queima roupa. Isso é que é amor”. Ele ri, agradece pelo elogio e batemos nossas mãos espalmadas uma na outra, como sempre fazemos quando recebemos algum elogio dos chefes.
O almoço transcorre na mesma animação. Fico contente por trabalhar com homens que me aceitam como eu sou, sem falsidades ou preconceitos que fariam muito mal à nossa relação de trabalho. Sou privilegiado! Um dia, confessei, na frente de todos, que havia sonhado com ele. Foram assovios, palmas, copos de cerveja no ar… ele, em tom de brincadeira, perguntou, rindo: “E foi bom o sonho? Ficou de pau duro?”. E eu, rindo também, respondi:”Mais do que isso, meu caro. Gozei durante o sono. Parecia um adolescente tendo polução noturna. Fiquei todo melecado. Um horror!”. Caretas e risadas gerais.
Nesta terça, o almoço é de despedida de solteiro. Não deixamos que ele pague. A parte dele é dividida entre nós, pois este é o seu último almoço antes do casório. Amanhã, ele entra em férias. Depois, só vamos vê-lo no sábado, na igreja e na festa.
Olhamos os relógios e celulares. Hora de voltar para o escritório. Eu ainda vou ao banheiro dar uma mijada, enquanto eles me esperam na porta do restaurante. Na calçada, fico atrás com um deles, e os outros três vão na frente – ele no meio. O que está comigo, diz: “Não acredito que ele vá se casar no sábado. Quem diria!”. E eu respondo com cara de deboche: “Que pena!”. Rimos os dois e escuto: “Você é terrível…”.
Quando chegamos ao banco, encontramos dois de nossos chefes no elevador. Cumprimentos, sorrisos, piadas, e um deles toca no assunto do casamento do próximo sábado. Dizem que irão à cerimônia, e nos despedimos quando chegamos ao nosso andar. As salas deles ficam no andar de cima. Entramos, cumprimentamos as secretárias, tiramos os paletós e começamos a parte da tarde, sempre lenta, cansativa, principalmente depois da comilança do almoço
Meu celular acusa a chegada de uma mensagem via whatsapp. Pego e vejo que é dele, só pra mim, não pro grupo. Leio: “Estou um pouco nervoso com esse negócio de casamento, cara. Nervoso pra caralho, pra dizer a verdade…”.
Eu olho pra ele, dou risada em silêncio e respondo: “Normal. Acho que isso é normal. Acho que todo o mundo fica assim. Sei lá..”.
Ele escreve de novo: “Posso te perguntar uma coisa? Você me acha um tesão mesmo? Se eu fosse gay, você me pegava numa balada?”. Eu: “Mais do que isso: eu casava com você no mesmo dia. Mas você foi nascer hetero… que pena! kkkkkkk..”. Ele: “Ah, fala sério. Você me acha bonito mesmo?”. Eu: “Cara, você é tudo o que eu queria pra mim. Essa barba, esse peito cabeludo, esses olhos, esses dentes… essas mãos. E eu nem vi o resto… Misericórdia!”.
“Pegue suas coisas de higiene bucal e vamos pro banheiro: quero falar com você lá”, ele escreve. “Ok”, respondo. Pego as coisas e vou ao banheiro. Ele vai na frente. Depois que escovamos os dentes, ele me empurra contra porta e diz, me segurando pelos braços, boca perto da minha, olhos nos meus olhos: “Nunca tive nada com homem, mas tenho curiosidade. E, se for pra fazer, tem que ser com você! E se eu tiver que experimentar, terá que ser antes do casamento. Depois, não vou ter coragem. Eu me conheço”.
Não tenho tempo de responder. O beijo que ele me dá é intenso, forte, sua língua dentro da minha boca, sua barba de encontro ao meu rosto. Eu o abraço, sinto seu calor, seu perfume misturado ao suor, os pelos de seu peito entre meus dedos, pois já deslizei minha mão por sua camisa semi-aberta. Eu o abraço como nunca abracei ninguém. Digo para ele parar, embora nenhum dos dois queira isso.
Por fim, a gente se recompõe e voltamos às nossas mesas. Faço aquela cara de cínico, bem minha, e disfarço bem o que houve. Ele, não sei se conseguirá.
Meu celular, de novo, acusa uma mensagem. Abro e leio: “Vou ao seu apartamento hoje à noite. Eu levo o vinho, você compra a pizza. Pode ser? Diga que sim…”.
Como é que vou dizer “não” pra ele? Como é que eu posso resistir a esse homem? Ele mantém os olhos fixos no celular à espera de minha resposta. Olho para ele e sorrio enquanto respondo: “Claro que pode! Não se esqueça de que você é o amor da minha vida”.
4 Comments
Com uma mistura de humor, sensualidade e um toque de safadeza, lemos mais um texto leve e descontraído. Feliz é quem pode sentar-se à mesa com pessoas tão agradáveis e sentir-se à vontade.
Excelente!!!!
Bahhh….esta história esta com cara de que terá uma segunda parte…..
Adorei….e quero mais…
Ótima
Nossa, essa história é de babar e, de sonhar com um final maravilhoso.
Fiquei curioso para ver como acabaria a Crônica.
Pessoas que cruzam nossas Vidas e sempre nos marcarão.
Este moço de 35 anos com certeza marcaria a Vida de muitas pessoas.
Na verdade fiquei tenso ao ler o beijo no banheiro e ficava imaginando se alguém entrasse de repente e pegasse os dois.
E o mais gostoso,o final da Crônica onde o sonho do Personagem principal vai se realizar.
Muito Boa a história.