
Estou na sala de espera do dentista e, acompanhado por uma senhora não muito afeita a conversas com um estranho – parece mal-humorada, talvez porque não goste de dentistas ou porque vai tratar de um canal –, ponho-me a folhear uma dessas revistas um tanto maltratadas pelos numerosos pacientes que já passaram por aqui. É uma “revista de bordo”, dessas que a gente lê no avião. Meu dentista deve ter feito uma viagem e resolveu deixar a revista em sua sala de espera.
Olho no relógio. Serei atendido antes da mulher mal-humorada. Nós fomos pontuais. Atrasado está o dentista, preso lá dentro com o paciente que já devia ter ido embora. Começo a ler a tal revista pra passar a hora. A mulher não tira os olhos do celular. Normal. Uma matéria me chama a atenção: “O que não se deve fazer depois dos 60 anos – como levar uma vida mais leve e prazerosa”. Já que estou nessa faixa, interesso-me e começo a ler.
O primeiro item é: “Buscar aprovação”. Segundo a matéria, não tem cabimento que uma pessoa nessa altura da vida fique preocupada com o que os outros possam pensar de seu comportamento e de suas atitudes perante o mundo. Penso em mim mesmo e nas vezes em que fiquei preocupado com a avaliação dos outros; eu, que passei boa parte de minha vida estressado com as notas que os alunos poderiam dar para a minha aula – delas dependia o meu emprego no cursinho pré-vestibular. O melhor da história era que muitos que me davam nota sequer assistiam à minha aula. Mal sabiam escrever um parágrafo, mas Redação não era importante.
Prossigo na leitura e vejo o item seguinte: “Remoer o passado”. Esse me pega de jeito: como sou muito exigente comigo mesmo, preciso aprender a me perdoar pelos erros que cometi. Impossível nascer, crescer, tornar-se adulto e bater a cara na parede sem se frustrar com o mundo idealizado que a gente tem na juventude. Errou? Aprenda com o erro. “Vá e não peque mais”, dizem as Sagradas Escrituras.
Dou risada dos itens seguintes, que dizem que “Discutir com pessoas teimosas” e “Tentar mudar os outros” são pura perda de tempo. E são mesmo! Por que vamos tentar mudar a opinião de alguém que não esteja aberto ao diálogo, principalmente na tal polarização que assola este país? Por que perder tempo com quem não está disposto a uma conversa civilizada na qual, enquanto um fala, o outro ouve? E fico pensando nas situações em que eu também fui teimoso e não cedi um milímetro, mesmo descobrindo depois que eu estava errado. A humildade de se pedirem desculpas quando se descobre o próprio erro…
O outro item é quase uma repetição do primeiro: “Preocupar-se com o que possam pensar de você”. Outra vez, a história de nos medirmos pelos outros; outra vez, a preocupação de vivermos dentro do mundo que consideram ideal. (No começo da minha vida gay, a coisa foi difícil…)
Já enfrentei muitos momentos de reprovação. Parentes, amigos, conhecidos – e fico me lembrando do que uma vez a grande atriz Bette Davis disse: “Não preciso de julgamento; preciso de compreensão”. Quantas vezes a compreensão teria tornado tudo mais fácil e menos doloroso na vida da gente! Quantas vezes pessoas queridas nos reprovaram sem saberem o que se passava em nosso íntimo e em nosso coração! Claro que eu também devo ter cometido esse erro, mas me policio porque não estou com as pessoas 24 horas por dia, e o que pode me parecer absurdo pode também ter sua razão de ser.
Finalmente, a matéria indica que, após os 60 anos, não se devem deixar sonhos e desejos para depois. Isso me lembrou a mensagem que recebi de um amigo, via Whatsapp, que dizia: “Cuidado com o amanhã – ele tem a estranha mania de ser tarde demais”. Se o sonho e o desejo estão ao seu alcance, por que deixá-los no fundo de um baú repleto de projetos adiados, amarelados pelo tempo e pelo abandono, como se fossem pergaminhos a serem encontrados por arqueólogos? Reprovação de filhos, julgamento de parentes e amigos que se acham no direito de governar a sua vida? De jeito nenhum! A ousadia pode ser o ponto que fará os outros nos respeitarem.
Como escreveu Guimarães Rosa, “o que a vida quer da gente é coragem”. E Cecília Meireles: “A vida só é possível reinventada”.
E, já que estou citando esses escritores para deixar meu texto mais bonito, cito novamente Bette Davis: “Envelhecer não é para maricas”. Não é mesmo!
O dentista me chamou. Lá vou eu para a minha obturação.