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DESPEDIDA

Então, em meio a tantas promessas, palavras bonitas, cartões de aniversário, de Natal, de Dia dos Namorados, de aniversário de namoro, de poesias escritas em guardanapos em lanchonetes, de mensagens de “bom dia” pelo whats, você acreditou que ele voltaria da viagem à Inglaterra.

Quando ele disse que era uma viagem rápida, de apenas seis meses, que o pai insistia em lhe dar para poder melhorar o inglês dele, você esboçou um sorriso amarelo, triste, na tentativa de ser o namorado compreensivo. Ficou no seu lugar de rapaz mais pobre, humilde, que só aprende inglês com música que toca no rádio lá do restaurante em que você trabalha… não quis ser um estorvo, não quis criar caso, pois, passados seis meses (uma bobagem!), vocês estariam nos braços um do outro de novo. Você pensou em pedir para que ele não fosse, para que estudasse por aqui mesmo, com tantas escolas de inglês boas no Brasil! Pensou, mas não pediu. Pensou, mas confiou nele e achou que um namoro de um ano seria o bastante para que ele sentisse saudade e voltasse para você.

E até hoje dói lembrar que ele pediu para você não ir ao aeroporto, pois a família dele estaria toda lá.

Nos primeiros 30 dias, os whats com vídeos eram diários – manhã, tarde e noite. Chamadas com conversas longas, pois ele tinha que descrever tudo o que estava vivendo em Londres, uma cidade linda. Tudo aquilo só serviu para duas coisas: aumentar sua saudade e deixar você com mais água na boca… você, que desde criança sempre sonhou em pisar naquele país!

As primeiras fotos ainda estão guardadas no seu celular. Um de seus amigos disse que sua vida parecia um clipe atualizado dos Carpenters olhando a todo momento se havia alguma mensagem do outro, lembra? “Please, Mr. Postman”.

Depois do primeiro mês, as ligações foram rareando até se extinguirem, embora as mensagens escritas continuassem. A alegação foi de que ele estava muito ocupado com os estudos. Você compreendeu, você é compreensivo. Quando as mensagens começaram a ficar mais espaçadas também, você até pensou em reclamar… pensou, só! Você não tem certeza de quando foi que nem as mensagens escritas chegavam mais. Você não tem certeza de quando foi que uma solidão bateu tão forte que lhe fez gelar e fraquejar. Você não saberia responder quando foi a pior noite – todas as noites têm sido difíceis sem ele por perto!

Dois rapazes de 19 anos tão diferentes, de classe sociais tão diferentes e tão apaixonados um pelo outro. Ele, morador da área nobre da cidade, filho de empresário, tentou de tudo quando você foi servi-lo e aos amigos dele naquela noite em que ele foi jantar no restaurante em que você trabalha. Quando viu que você não dava bola – não no ambiente de trabalho – arrumou um jeito de enfiar o celular dele no seu bolso – e ligou da rua marcando um encontro com você. A atitude foi ousada para um cara sério como ele, tímido até, mas, como ele lhe disse mais tarde, “foi amor à primeira vista”. E você acreditou…

Você trabalha para se sustentar e ainda economiza alguma grana para mandar aos pais no interior. Quantos rapazes têm a mesma história! Mais de uma vez, você achou que estava andando com a pessoa errada, pois o que, afinal, ele via em você? Por que é que ele não se apaixonava por alguém da turma dele, uns caras lindos, que sabiam falar direito, sem o sotaque do interior que você tinha e tem, e que se vestiam bem e que, enfim, eram da classe social dele?

O intervalo entre os aniversários de vocês é de seis meses… você é o mais velho, então são de signos complementares, opostos no Zodíaco. Você achou que isso não faria diferença nenhuma. Quando a solidão bateu muito forte, depois de três meses em que ele estava na Europa, você procurou até uma cigana que pudesse lhe dizer o que estava acontecendo por lá. A mulher disse que o destino de vocês estava ligado para sempre e que vocês ficariam juntos até a morte. Você então se lembrou da música do Bruce Springsteen, “Brilliant Disguise”: “Maybe, baby, the gypsy lied”.

De lá, ele manda um whats – poderia ter ligado, você pensou -escrevendo que não ficará mais seis meses, mas continuará os estudos e, depois de pedir a sua compreensão (“O velho topou bancar!”), diz que ficará pelo menos mais um ano. Diz que isso é importante para ele, ao que você retrucou dizendo que ele é que é importante para você. Opostos em tantas coisas, você contou com o amor para trazê-lo de volta. Você ingenuamente pensou que o amor o faria voltar para a balada no sábado à noite com você; depois, a transa gostosa no apartamento que você divide com um amigo e, mais tarde, o café no domingo de manhã antes de você ir para o restaurante e o encontro na noite de domingo.

Você continuou indo à mesma academia que ele frequentava quando vocês se conheceram (ele até o apresentou ao dono do lugar e transferiu para você o plano dele, pago por alguns meses). E até os aparelhos naquele lugar fazem com que você se lembre dele. Na verdade, você também não sabe dizer quando parou de esperar pelas mensagens que não vinham, pelas notícias que não chegavam mais. E constatou, triste, que havia se conformado com a situação.

Foram muitas as noites em boates resistindo aos rapazes malhados na pista de dança; foram muitas as noites em que você dançou a música de vocês sozinho; foram muitas as noites em que você voltou para casa de madrugada, passos lentos pela rua, debaixo da chuva, pensando nele e com um tesão terrível que você nunca sentiu por ninguém mais. Foram tantas as noites em que você se satisfez sozinho, pensando sempre nele… e chorou como criança debaixo do chuveiro.

Há algumas músicas que você não consegue mais ouvir, bem como alguns filmes e séries que já não são mais uma alegria para você numa noite fria de sábado. Hoje, quanto menos você ficar sozinho, melhor – mas você se sente só numa boate com 1500 pessoas! Na única vez em que tentou beijar alguém, não sentiu nada. Foi uma noite terrível. O DJ parece saber de sua história e insiste em tocar aquela bendita música que ele, o outro, uma vez disse que adorava. Tudo são lembranças. Na pista, você dança e chora e soluça e ninguém vê.

Então, você, uma vez na vida, acreditou em alguém e nas palavras dessa pessoa – você confundiu palavras com atos, pois aquelas são mais simples que estes. Você aprendeu que para alguns é fácil prometer e não cumprir; você comprovou que o “mundo gay” não é tão “gay” assim.

Mas você sabe que isso vai passar. Em meio a tantos outros rapazes, tantas outras histórias, tantas outras academias, tantas outras boates e saunas, há olhos que o observam e sonham com você – resta saber como estará o seu coração quando eles finalmente vierem procurá-lo depois de tudo isso.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

2 Comments

  1. Edilson Cardoso disse:

    Chega um ponto em que nosso coração ja não quer mais.

  2. Bernadete disse:

    Adorei a crônica! E quem já não passou por isso, provavelmente vai passar… Dores de amor. Aprendizados.

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