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DEZEMBRO

É claro que há muitas formas de se comemorar o Natal – e até de não se comemorar essa data! Depende muito da cultura, da educação, da religião, da visão que se tem das festas de fim de ano etc.

Tenho amigos gays que ficam deprimidos quando vai chegando o mês de dezembro. Uns, porque terão de ir para a casa dos pais e encontrar tios, tias, primos e toda gente que, durante o ano inteiro, não se fez presente, nem se dignou a saber se esses meus amigos estavam vivos. E aí, na hora dos comes e bebes, aquela gentarada reunida, aquele papo furado, aquelas perguntas indiscretas e sem a noção de quanto estão invadindo a privacidade do outro e de quanto estão sendo inconvenientes.

São os amigos que preferem se refugiar na casa de outros amigos para promoverem reuniões com pessoas que, dia após dia, fizeram parte de sua vida. “O que tenho em comum com aquele tio homofóbico que em toda reunião de Natal quer saber quando é que eu vou casar e dar netos para sua irmã (minha mãe) ou para seu irmão (meu pai)?”, perguntam alguns. “Por que é que eu tenho de passar uma noite que deveria ser tão bonita com gente que não me diz nada? Só porque são parentes? Ah, tô fora!”, dizem outros.

Alguns me contam: “Tenho vontade de, no dia 24 de dezembro, dar um beijo na minha mãe e no meu pai, e voltar correndo pra casa pra ficar com minhas séries, com meus filmes ou com um livro interessante que eu esteja lendo. Abro um panetone, um vinho, frutas secas e estou muito bem, obrigado”.

O Natal e (mais ainda) o Dia de Ação de Graças são datas, por exemplo, que rendem filmes e mais filmes americanos com as tramas de gente voltando para a casa dos pais e reencontrando pessoas do passado, antigos amores, antigos desafetos, parentes que pisaram na bola de alguma forma, e mesmo irmãos e irmãs que não se encontravam havia muito tempo e que, nesse período do ano, terão de conviver sob o mesmo teto, ainda que por poucos dias. E a lavação de roupa suja não demora a começar.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade. O autor modernista escreveu um conto maravilhoso chamado “O Peru de Natal”. Nele, o narrador, Juca, fala dessa “parentada” que invadia a casa de seus pais e deixava somente o resto do peru para sua mãe, sua irmã e sua tia, as mulheres que ficavam horas e horas na cozinha, preparando a ceia. Na história, o pai de Juca morreu faz pouco tempo e todos estão de luto. Ele, num rompante, decide que quer comer peru naquele ano, para espanto da família toda. Sua vontade acaba sendo feita. A cena em que ele pega uma grande fatia do peru e serve sua mãe é emocionante: ela, acostumada somente com os restos que lhe deixavam, tem, pela primeira vez e com lágrimas nos olhos, a oportunidade de saborear de verdade aquela carne. O conto vale a pena ser lido!

        Durante alguns anos – uns 10 ou 15 –, eu reuni amigos aqui em casa, logo no começo de cada mês de dezembro, para a montagem da minha árvore de Natal. Era uma farra: muito comida que cada um trazia, muita música, muita risada, presentes de amigo secreto e a alegria de estarmos todos juntos. Eram reuniões muito prazerosas e todos eram bem vindos: homossexuais ou heteros. Claro que sempre havia o comentário: “Sua árvore, neste ano, tá mais “pintosa” do que no ano passado. Onde você comprou esse veadinho (essa bola, essa casinha, esse bonequinho) tão gay?” E era só risada. E todo ano alguém quebrava algum enfeite, lógico!

        Com o passar do tempo, comecei a me enjoar de, no dia 06 de janeiro, ter de desmontar tudo sozinho; aquele calor insuportável e eu desmontando árvore, guardando enfeites, desembaraçando pisca-pisca (um inferno!) e suando pra caramba. Fazer uma reunião para desmontar árvore seria uma das coisas mais “xaropes” do mundo, claro! E lá ia eu fazer tudo sozinho. Cansei!

        Tenho um pouco de saudade dos Natais que passei nos bairros em que morei. A gente tinha o costume de ir cumprimentar os pais dos amigos, havia um respeito que nossos pais ensinavam (chamá-los de “você”, nem pensar! Coisa que eu abomino até hoje!) e que era, de certa forma, bonito. E a gente aproveitava para comer um pedaço de panetone ou um doce que a mãe do amigo ou da amiga havia feito.

        Conheço pessoas também que ficam tristes por estarem sozinhas – sem namorado – nesta época do ano. E atacam os aplicativos de paquera à procura de um “Papai Noel” (de qualquer idade) que lhes traga os sentimentos de proteção e companhia, tão difíceis de se encontrar hoje, quando o egoísmo é que manda. A esses, meus votos (para usar uma palavra condizente com a época) de que encontrem alguém bem bacana. E que esse “namoro” não acabe quando o Carnaval chegar!

        Aqueles que gostam de ficar sozinhos – como eu gosto –, que passem uma noite de Natal em paz, com a certeza de que também se pode encontrar satisfação na companhia de si mesmo. “Antes só…”.

        E, àqueles que terão de encontrar aquela parentada chata e que não acrescenta nada, fica meu desejo de que tenham paciência, de que saibam que, durante todo o ano novo, não terão de conviver com essas pessoas.

        Se você, leitor, é daqueles cuja família é bacana e têm prazer em estar com eles, melhor ainda! Curta bastante sua noite de Natal com os parentes todos. Cuidado apenas com a comilança e o exagero com o álcool.

        Tenhamos todos um Natal bem “gay” – no sentido mais amplo da palavra: alegre, fervido, pra cima, divertido. Tomara que cada um encontre o seu modo de se sentir bem nesta época do ano!

        Feliz Natal!

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

1 Comments

  1. Roberto disse:

    Oi meu amigo! Nem preciso escrever que adorei mais essa crônica de Natal. Aproveito também pra lhe desejar, não apenas nessa data, saúde, paz e sucesso profissional. Um forte abraço, Vitão. Bob

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