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DIAS E DATAS

       O ano é repleto de dias e datas para todos os gostos: comemorações, festejos, descansos, retiros espirituais, celebrações cívicas, luto etc. Não faltam no calendário aquelas datas esperadas por muitos como Natal, Carnaval e Festa Junina, ou aquelas mais tristes como Dia de Finados, por exemplo. A alegria pela data de aniversário varia de pessoa pra pessoa – tenho amigos que adoram fazer anos; outros, como eu, não curtem. E a vida segue.

       Bem, li que a excelente cantora Cyndi Lauper – os mais informados e antenados vão se lembrar de vários de seus sucessos; os menos, só de “Girls just wanna have fun” – lançou um novo vídeo da bonita música “Time after time” em comemoração ao “NCOD – National Coming Out Day”, isto é, “Dia Nacional de Sair do Armário”, celebrado no dia 11 de outubro. Achei bacana a iniciativa, mas não me surpreendi, pois o apoio da artista aos homossexuais é bastante conhecido desde os anos de 1980. O vídeo é bonito – o antigo já o era – e vale a pena ser visto. Cyndi Lauper merece todo o nosso respeito: é talentosa, sensível e inteligente

       O que eu queria abordar aqui é o fato curioso de essa data existir. Essa história de “sair do armário” é muito relativa, não dá pra gente determinar um mês, um dia e uma hora para isso acontecer. Eu sei, claro, que o 11 de outubro ficou mais como uma data em que as pessoas dão suporte para os homossexuais, mas isso de se mostrar gay, lésbica etc. acontece de maneiras variadas para as mais variadas pessoas. Não dá pra gente prever quando, onde e como acontecerá.

       Há aqueles tomados por um medo paralisante e que, mesmo assim, fazem de tudo para que as pessoas ao redor notem e eles não precisem dizer com todas as letras que gostam de pessoas do mesmo gênero. São discretos, mas vivem dando dicas, mesmo em silêncio. E, quando todos ao redor sacam o que se passa, um alívio muito grande se instaura. Tudo se sabe, mas nada se fala.

       Outros são agressivos. Uma vez, conheci um rapaz muito bonito, bastante arrogante também, com quem tive algumas transas. Ele me contou que, num certo dia, estourou, e disse para os pais: “Vocês têm duas filhas, ok? Minha irmã e eu. É isso. Sou gay. E não devo nada pra ninguém”. Não acho que ele era mais feliz por ter agido assim. Não conheci a família dele, mas achei aquilo de uma grosseria enorme. Cada um, cada um. E esse negócio de “ter duas filhas”…

       Existem aqueles que tiveram e têm total liberdade para “saírem do armário” com toda a cumplicidade da família. São  uns felizardos, mas normalmente não sabem reconhecer o quanto é importante ter o apoio e o respeito por parte de pais e irmãos. Nesses casos, sair de casa para morar sozinho é uma opção e não um remédio para uma situação insustentável.

       Conheci alguns rapazes que juravam que sua família não sabia de sua homossexualidade. É possível, já que muitos pais não querem enxergar e acabam não enxergando mesmo. Não sei, porém, por quanto tempo um convívio assim poderia persistir. “Você não vai casar?”. “Você não vai me dar um neto?”. “Estamos ficando velhos, e você vai ficar sozinho na vida?”. Essas são frases comuns que muita gente já ouviu em casa. Tive um amigo cujos pais viviam levando moças para jantar na casa da família, na esperança de que ele se empolgasse. Claro que nunca aconteceu e rimos muito, anos depois, quando nos conhecemos, e ele me contou essa passagem de sua adolescência.

       Tenho amigos que jamais tiveram essa conversa com seus pais. Mudaram-se para outra cidade ou outro país e levam suas vidas longe e em paz, sem nenhum problema e sem nenhuma cobrança. Bom pra eles!

E o que falar daqueles que resolvem “sair do armário” depois de casados e com filhos? Enchem-se de coragem e procuram o que acham ser melhor para suas vidas. Na semana passada, nos Estados Unidos, um senhor de 90 anos(!) resolveu assumir sua homossexualidade. Casado, pai de uma filha e desde os 12 anos ciente de que gostava de homens, Kenneth Felts afirmou para a revista Queerty: “Sair do armário nos anos 50, 60 e 70 era terrível. Não havia qualquer apoio e quem saía do armário saía por conta própria, sozinho, tinha que se virar, e eu não tive coragem de enfrentar a sociedade e fazer o que eu queria. Assim, preferi acobertar essa parte da minha vida”. Um fato interessante é que a filha de Kenneth é lésbica. O senhor de 90 anos confessou ter sido muito apaixonado por um outro homem com quem teve um envolvimento, o qual abandonou por toda as razões listadas. E confessou também seu arrependimento por não ter vivido aquele amor.

Há casos e casos…

       Como já escrevi em outro texto, eu morria de medo de envergonhar meus pais. Vivia dentro de mim mesmo, quieto, paralisado, sem coragem de admitir para mim que eu precisava viver também e merecia ser feliz. Aí, vinham os valores familiares, os valores religiosos (“é pecado!”), a vergonha pelo que os amigos iriam dizer, os professores na escola, os vizinhos, colegas de trabalho e o escambau! No fim, a gente se percebe vegetando, sem alegria – e não falo somente de sexo, pois ser homossexual não se resume a querer uma pessoa do mesmo gênero -, tomando cuidado com tudo o que diz, faz e fala.

       Acho que isso de “sair do armário” deve respeitar o ritmo de cada um, não pode ser uma coisa forçada. Para alguns é mais fácil do que para outros… se é que existem pessoas que acham isso fácil. Parece que, hoje, sim.

       No meu caso, vivi um pouco de cada situação. Com 18 anos, pendurei na parede do meu quarto um pôster pequeno do ator Tom Selleck, que estava no auge, fazendo o seriado Magnum. Eu adorava a ele e ao seriado. Quando fiz isso, houve uma conversa mole entre tios e primos, o que me magoou muito, mas eu provoquei. Claro que sim! Depois do meu segundo casamento (gay), tudo ficou mais claro para a minha mãe, que se tornou a melhor amiga que eu tive até o fim de sua vida. Foi a várias Paradas do Orgulho LGBT comigo e chegou a me acompanhar à boate gay duas vezes. Convivia muito bem com meus amigos e gostava muito deles. Ela se divertiu muito porque era desprovida de preconceito!

Com meu pai, porém, nunca tive essa conversa, e não sei como teria sido sua reação.

       Mas isso já é assunto para uma outra crônica…

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

2 Comments

  1. Joao disse:

    Ótima reflexão. Bjao

    • Baltasar Macias Pereira disse:

      Crônica muito interessante pelo questionamento levantado.
      Quando as pessoas devem sair do Armário?
      Isto depende e muito de cada um.
      Todos temos nossos medos,desejos ,anseios e etc..
      Assim sendo,nada pode ser cobrado.
      A do senhor de 90 anos é um caso muito interessante e mostra como varia de pessoa para pessoa.
      Fiquei curioso para ouvir a música de Cyndi Lauper e não sabia da data de 11 de outubro e a Comemoração do NCOD.
      Bela Crônica
      👏👏👏

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