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HOMOSSEXUAIS E O SUICÍDIO

“Se procuras a solidão, anda no meio dos homens” – Imre Madách (1823 – 1864), poeta e dramaturgo húngaro.

 

            Começo este texto parafraseando o escritor Euclides da Cunha (1866 – 1909): o homossexual é, antes de tudo, um solitário. Por experiência própria e, obviamente, por tudo o que já presenciei na vida, pude constatar que, em sua essência e, principalmente em sua juventude, garotos e garotas homossexuais vivem num mundo de segredo e silêncio. Alguns por mais tempo, outros por menos.

       Muitas foram as vezes em que calei uma observação em família ou entre amigos sobre um homem bonito que vi na TV ou no cinema. Muitas foram as vezes em que não ousei falar sobre uma paixão porque eu sabia que não seria compreendido e, mais, eu sabia que seria ridicularizado e visto como um “anormal”. E isso tudo doía!

       Muito se fala que a juventude hoje vive dias melhores com relação à sua sexualidade. Huuuum…. não sei, não! Não me iludo muito com esses meninos e meninas que passam na porta do meu prédio, nos quatro dias de Carnaval, de mãos dadas com seus namorados e namoradas, enchendo a cara e estampando muita liberdade e alegria. Dei aula para muitos desses jovens que me contavam coisas muito tristes sobre o comportamento de seus familiares e amigos quando esses mesmos jovens assumiam que não eram heterossexuais.

       Ainda que haja uma aclamada “liberação sexual” em curso, fico pensando nos jovens de periferia – como eu fui – que vivem em bairros onde todos se conhecem e onde todo o mundo cuida da vida de todo o mundo. Fico pensando naquela mãe e naquele pai que absolutamente não aceitam a sexualidade do filho ou da filha porque “a vizinhança toda está falando e comentando”. Passei um pouco por isso, visto que meu interesse por garotas era zero! Nenhum vizinho comentava nada na minha cara, mas eu sabia que os boquirrotos existiam. E eu me fechava cada vez mais com medo de envergonhar meus pais. Tenho certeza de que muitas histórias como a minha ainda se repetem em famílias humildes e em famílias abastadas, pois não é todo o mundo que tem apoio para levar sua vida sexual e afetiva como deseja. Ainda há, sim, muitos jovens expulsos de casa por serem homossexuais.

       Leio na revista australiana DNA que, naquele país, o dia 10 de setembro é o “R U OK day”, isto é, “O dia do ‘você está bem’ ?”, um dia para “chamar a atenção para a saúde mental, encorajando pessoas a conversar com familiares, amigos, colegas de trabalho e parceiros amorosos”, segundo a revista. E o artigo acrescenta que a iniciativa é particularmente importante para a turma LGBTQI+ porque essas pessoas têm apresentado uma tendência maior ao suicídio do que as pessoas em geral.

       A “National LGBTI Health Alliance” apresentou um relatório em fevereiro de 2020 com algumas estatísticas alarmantes sobre a saúde mental das pessoas LGBTQI+. Essas pessoas têm seis vezes mais propensão à depressão se comparadas com os heterossexuais. Um terço das pessoas pesquisadas revelou-se vítima desse mal, de acordo com o relatório.

       Além disso, jovens homossexuais entre 16 e 27 anos tentaram suicídio cinco vezes mais do que heterossexuais da mesma faixa etária; 27,8% de pessoas bissexuais com mais de 18 anos tentaram se matar. No geral, constatou-se que 77,6% dos bissexuais pensaram ou pensam em tirar suas próprias vidas.

       Como se vê, o quadro é triste e preocupante – e não acredito que seja somente na Austrália, do outro lado do mundo. Não bastasse a discriminação, temos ainda, no Brasil, toda a violência contra essas pessoas não heterossexuais. Por isso, não me iludo muito com essa “liberdade” de hoje. Muita coisa mudou para melhor? Sim, sem dúvida, mas o preconceito existe, a culpa existe e a solidão ainda é um sentimento muito forte na vida de muita gente.

       Nunca pensei em me matar por causa de minha homossexualidade, porém, quando percebi que isso ia contra minha formação religiosa, que isso me fazia diferente de meus irmãos e amigos e que isso podia envergonhar meus pais, senti uma angústia muito grande. E eu tinha apenas seis anos de idade! A coisa piorou quando entrei na adolescência, que foi um período de mais solidão ainda.

       Olho lá pra trás e penso nos homossexuais que tiveram de viver “escondidos” em tempos ainda mais difíceis do que os nossos. Quantos deles tiraram suas próprias vidas – ou porque não aguentaram sua solidão, ou porque foram levados a crer que não eram dignos de estarem neste mundo!

       Uma conversa, uma mão no ombro e um sorriso ainda podem fazer uma diferença enorme na vida de alguém que esteja solitário e desesperado.  

 

                         

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

7 Comments

  1. Fernando de Souza Andrade disse:

    Tive vontade sim de cometer suicídio por conta da minha orientação sexual. Como achar normal gostar de alguém do mesmo sexo, quando você é educado, e apenas recebe informações para viver um relacionamento heterossexual? Como faz falta o diálogo. Mais uma vez, obrigado por ser quem você é.

  2. Clarice keri disse:

    Muito bom.

  3. Marco disse:

    uma verdade inquestionável.

  4. Bernadete Freitas disse:

    Sim. Continua muito difícil. E, sinceramente, não sei se o preconceito um dia vai acabar. “Narciso acha feio o que não é espelho”, como diz a música do Caetano. O sexo é um campo minado para muitos homens, mulheres e crianças.

  5. Shirleyne Diniz disse:

    É meu amigo, melhor olhar o quanto o copo esta cheio. O mundo está mudando. Tenhamos esperança!

  6. Baltasar Pereira disse:

    Bela e Triste Crônica sobre Homossexualidade e Suicídio.
    Realmente concordo que vivemos Tempos de muitas Liberdades,mas quantas tristezas e mágoas não existem por detrás desta Liberdade.
    Muito interessante e preocupante a Pesquisa sobre o Suicídio no meio LGBTQI+.
    Pelo menos para mim por muitos ,mas muitos Anos mesmo ,eu não vivia a minha Sexualidade e ficava quieto em meu Mundo.
    Era triste e me achava diferente até um momento em que decidi ir em frente e conhecer o meio Gay.
    Foi a melhor coisa que fiz em minha Vida.
    Claro que tive muitas decepções em termos Amorosos e de Amizades,mas isto faz parte da Vida.
    👏👏👏👏👏

  7. Suzy Aparecida Colli disse:

    Eu creio na transformação e evolução das pessoas…mas cada um tem seu próprio tempo. Não podemos julgar, apenas ter esperanças que este tempo “chegue logo” e aceitar o outro como ele é.
    E quanto a você…Te amo viu amigo!❤

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