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MARVIN GAYE

Se estivesse vivo, Marvin Pentz Gay Junior teria completado 84 anos no último dia 02 de abril. Nascido em 1939, em Washington D.C., era o talento em pessoa: compositor, arranjador multi-instrumentista, compositor e produtor. Um dos maiores nomes de uma gravadora de gigantes, a Motown, de onde surgiram os grandes da música negra americana!

Minha mãe costumava dizer que, quando os negros abrissem a boca pra cantar, nós deveríamos nos calar, ouvir e aplaudir o talento deles. Marvin não era exceção. Dono de uma voz aveludada, bonito e carismático, fez muito sucesso nos anos 60 e 70, entrando com tudo nos anos 80. Sua história, porém, é trágica e um tanto mal contada.

Minha primeira recordação de Marvin data de 1973: naquele ano, a Globo pôs no ar a novela “Cavalo de Aço” e, em sua trilha sonora, a linda “Don´t mess with Mr. ‘T’”; no mesmo ano, ele gravou um LP com Diana Ross, do qual pelo menos quatro canções são excepcionais e tocam nas rádios até hoje: “You are everything”, “Pledging my love”, “My mistake” e a mais conhecida “Stop, look and listen (to your heart)”. O disco é ótimo e conta-se que foi muito complicado terminá-lo, devido ao problema de drogas que Marvin já enfrentava.

Sua carreira, porém, vinha de muito antes: nos anos 60, já fazia muito sucesso com sua parceira favorita, Tami Terrell. Com a cantora, gravou coisas inesquecíveis como “Ain´t no moutain high enough”, “Baby I need your loving”, “It takes two” e “Two can have a party”, entre tantas outras. Ao todo, lançaram quatro discos juntos, até que Tammi veio a falecer em 1970, vítima de um tumor no cérebro. Tinha apenas 24 anos! Marvin, por sua vez, entrou em depressão profunda pela perda da parceira e amiga. Acabou se afastando dos estúdios por quase três anos… e voltou em grande estilo.

Em 1971, o cantor lançou o disco “What´s going on”, tido por muitos como seu auge criativo. As letras exploram e contam histórias do ponto de vista de um veterano da Guerra do Vietnã que volta pra casa e testemunha ódio, sofrimento e injustiça – um irmão de Marvin havia estado naquela guerra. As letras introspectivas do disco exploram temas como a própria guerra, o tráfico de drogas e a pobreza. Além de tudo isso, o disco estava muito à frente de seu tempo: na música “Mercy, Mercy me (The Ecology)”, Gaye já explorava temas concernentes à ecologia bem antes de isso se tornar uma pauta mundial.

Digno de nota pra que a gente pense um pouco a respeito da época é o fato de que, nos anos 60, Marvin resolveu adicionar um “e” ao seu sobrenome por três razões: 1. queria diferenciar seu nome do nome do pai e se afastar dele; 2. queria evitar boatos sobre sua sexualidade e 3. queria imitar seu ídolo Sam Cooke, que também havia acrescentado a vogal ao fim de seu sobrenome. Interessante a moçada de hoje pensar sobre a segunda razão. Se hoje isso seria uma bobagem, não o era nos anos 60. Dureza!

Bem, a relação de Marvin com o pai nunca foi boa. Conta-se que, apesar de ser um pastor bem rigoroso de uma igreja pentecostal em Washington, Marvin Gay Senior gostava de se vestir com trajes femininos(!) e jamais simpatizara com o rapaz, chegando mesmo a duvidar de que ele fosse seu filho. O cantor, por sua vez, diante de tal relação, era muito mais agarrado à mãe, que amava de paixão. As pessoas próximas contam que o pai fazia os filhos – Marvin e os seis irmãos – repetirem versículos da Bíblia de cabeça, e, se não soubessem, eram surrados. Tinham também que fazer jejuns frequentemente. Além de tudo isso, o homem era violento com a mãe do cantor, Alberta. Esta dizia; “Meu marido jamais quis Marvin. E jamais gostou dele”.

        Os problemas de Marvin com as drogas foram sérios. Ele chegou a tentar o suicídio – era deprimido por causa das drogas ou tomava drogas por causa de sua depressão? É um clichê, mas a gente sabe que a vida desses grandes gênios  nem sempre (quase nunca!) é tão glamurosa como se pensa. São tantos os casos de infelicidade, alcoolismo, drogas ilícitas, solidão, fracassos, pressão pelo sucesso, relacionamentos familiares ruins… a coisa vai longe. Eles são mortais como nós!

        No fim de 1982, depois de se exilar na Bélgica, Marvin lançou seu 17º disco – “Midnight Love” – e toda uma geração dançou e curtiu “Sexual Healing”. Música sensual, gostosa, uma batida envolvente e um clipe bem bacana também. Quem viveu se lembra! O homem estourou no mundo inteiro de novo. No fim da turnê para promover o disco (1983), Gaye voltou para casa, pois a mãe havia passado por uma cirurgia. Conta-se que ele havia voltado a consumir cocaína e não estava bem.

Ironia das ironias, Marvin presenteou o pai com um revólver, pois estava meio obcecado com a segurança da família. A arma ficou no quarto do pai, e a relação entre os dois, com o convívio mais intenso, foi se tornando insustentável.

No dia 1º de abril, véspera do aniversário de 45 anos do cantor, seu pai o assassinou com dois tiros.

Na época, falou-se muita, muita coisa a respeito desse caso. Não havia internet e as notícias nos chegavam de forma embaciada. Lembro de ter lido que o pai matara Marvin por ter descoberto que o filho era gay; lembro de ter lido que o crime foi cometido porque Marvin assumira sua homossexualidade, e o pai, homofóbico e religioso, não perdoara o insulto; li também que Marvin estava sob o efeito de drogas e que havia agredido o pai com chutes e pontapés. O crime teria sido, então, por legítima defesa. A irmã de Marvin relatou à polícia que o cantor havia tentado o suicídio dias antes, jogando-se diante de um carro em movimento. Nos braços do irmão mais novo, Marvin, baleado, teria dito: “Consegui o que eu queria. Não pude fazer sozinho, então eu o induzi a me matar”.  

Independentemente da razão, foi uma tragédia familiar! Não se falou em outra coisa por algum tempo, mas acho que, hoje, a coisa teria sido muito mais explorada com redes sociais, TV a cabo, internet etc. Basta que lembremos da morte de Michael Jackson, por exemplo – o qual, aliás, tinha um pai nos mesmos moldes do pai de Marvin.

Lembro que, em 1985, a Levi´s lançou uma propaganda da calça 501, na qual um rapaz (o falecido modelo e cantor Nick Kamen) entra numa lavanderia, tira sua calça jeans e fica só de cueca enquanto sua calça é lavada – tudo isso ao som de “I heard it through the grapevine”, de Marvin Gaye. Foi um sucesso!

No mesmo ano, os Commodores lançam a música “Nightshift”, cuja letra faz uma homenagem a Marvin Gaye e Jackie Wilson, ambos mortos em 1984. Essa foi a primeira música que escutei em solo americano, no inverno de 1987. Inesquecível!

Agora, em 2023, Bruce Springsteen teve a ótima ideia de gravar um disco só com antigas canções Rhythm and Blues e Soul. O cantor afirmou que gostaria de mostrar para as novas gerações algumas músicas que ouvia no rádio no passado. O bonito disco se chama “Only the strong survive” e traz “Nightshift” na voz de Bruce.

Marvin foi casado duas vezes e teve três filhos. Jane Fonda disse numa recente entrevista que se arrependia de ter recusado um convite para transar com o cantor nos anos 70.

As listas de “melhores isso, melhores aquilo”, promovidas por revistas especializadas, sempre suscitam discussões e polêmicas. Em 2020, a revista americana Rolling Stone trouxe uma lista dos “500 melhores discos de todos os tempos” (como se a escolha fosse simples e só houvesse músicas em inglês pelo mundo), desta vez com votos de músicos e não de críticos. O disco “What´s going on”, de Marvin Gaye, foi eleito o número 1.

De qualquer forma, tomara que isso desperte a curiosidade dos mais jovens pela obra de um homem talentoso, mas perturbado e com uma vida muito sofrida. Um gênio que não deveria cair no esquecimento.

Abaixo, alguns links para quem quiser matar a saudade:

https://www.youtube.com/watch?v=lyPn4WfW9sI

https://www.youtube.com/watch?v=eL4mLYOWReo

https://www.youtube.com/watch?v=rjlSiASsUIs

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Professor, que Crônica maravilhosa, sou suspeito em comentar sobre Marvin Gaye. A primeira música dele que ouvi foi “Don´t mess with Mr. ‘T’, por volta de 1979, quando eu trabalhava na estação de Rádio aqui da cidade – música que fez parte da trilha novela “Cavalo de Aço”. O vinil era de uma espessura maior do que conhecemos, a capa chamada de “sanduíche”, plastificada por dentro, também. Eu não tinha noção quem era o cantor, apenas curti. Depois de muitos anos ouvi “What’s going on”, pensei: “nossa, quem é esse cantor”? A partir daí nunca mais deixei de ouvi-lo. Todos os discos mencionados por você fazem parte do meu acervo. Lembro-me que quando aconteceu a tragédia, depois de um tempo Diana Ross apareceu no Fantástico cantando “Missing you”, fazendo uma homenagem ao Marvin – composição de Lionel Richie. Foi um sucesso, e essa canção está no álbum da Daiana chamado “Swept away”.
    Enfim, ficaria horas escrevendo sobre Marvin, e realmente você tem razão: “um gênio que não deveria cair no esquecimento”.

    • Baltasar Pereira disse:

      Crônica muito interessante sobre a Vida deste Cantor muito Talentoso.
      Não conheço muito sobre a sua Vida e Obra,mas lendo hj esta Crônica dar para ver que mesmo com uma vida tão atribulada e cheia de problemas ,seu talento brotava.
      Pena que não possuímos mais tantas pessoas talentosas como ele.
      Acredito que deveriam falar ou melhor tocarem mais músicas suas na Rádio, TV para que as novas gerações o conheçam.
      Quem cantava pela Motown normalmente tinha muito talento.
      Concordo com o que a Mãe do Cronista falava sobre a qualidade dos Cantores Negros Americanos.
      Grandes Cantores.
      👏👏👏👏

  2. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Que história!!!!!!!
    Uma pequena biografia com muito brilho e pinceladas trágicas. Com um triste final.
    Parabéns pela crônica.

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