Só recentemente, tomei conhecimento de Leonard Matlovich. Ele foi um norte-americano, nascido na Georgia, em 6 de julho de 1943. De família católica tradicional, seu pai tinha servido na Força Aérea e queria que o filho fosse militar também. A velha história…
Desde menino, Matlovich sabia que era “diferente” dos amigos e sabia também que não deveria contar seus segredos – não no ambiente familiar em que estava sendo criado. Atingindo a maioridade, alistou-se no Exército, fazendo a vontade do pai. Como sargento, acabou indo para a o Vietnã, a guerra que até hoje é uma espinha de peixe na garganta dos americanos. Por esse tempo, o rapaz já havia se relacionado com outros homens, mas a prudência mandava que ele não se assumisse: o mundo poderia cair em sua cabeça. Foi no sudeste asiático que ele ficou seriamente ferido ao pisar numa mina terrestre, em Da Nang.
De acordo com a Wikipedia, “tendo percebido que o racismo com o qual crescera era errado, ele voluntariou-se para dar aulas de Relações Raciais na Força Aérea, disciplina que fora criada após vários conflitos e incidentes nas Forças Armadas no fim da década de 1960 e no começo da de 70. Ele tornou-se tão bem-sucedido na tarefa, que a Força Aérea dos Estados Unidos mandou-o para vários lugares do país para treinar e preparar outros instrutores. Matlovich gradualmente percebeu que a discriminação enfrentada pelos gays era similar à enfrentada pelos negros”.
As diversas matérias sobre ele, na internet, informam que, em 1974, Matlovich leu uma entrevista com o ativista gay Frank Kameny e resolveu marcar uma conversa sobre a questão dos homossexuais nas Forças Armadas dos Estados Unidos. No ano seguinte, os dois escreveram uma carta aos superiores do sargento, na qual ele se assumia abertamente. A carta virou um artigo na conceituada revista Time, em 8 de setembro de 1975, que trouxe Leonard na capa. Como resultado lógico, o rapaz de 32 alcançou notoriedade e ficou famoso em todo o país.
Quem pensa que tudo se resolveu para Matlovich se engana, pois a coisa só piorou: além de ter de enfrentar a homofobia e a rejeição por parte da família, ele ainda foi expulso do Exército, por causa da cláusula que proibia homossexuais de farda. Matérias da época dão conta de que ele confessou sua homossexualidade para a mãe pelo telefone, a qual atribuiu a preferência do filho ao fato de ele “não orar o suficiente e não ter ido a psiquiatras”. O pai ficou sabendo por uma matéria de primeira página do New York Times; chorou por duas horas, mas foi mais empático do que a mãe: “Se ele pode aguentar tudo isso, eu também posso”, teria dito à esposa.
Seus superiores ainda tentaram fazê-lo se calar: um advogado da Força Aérea propôs que ele assinasse um documento jurando “nunca mais praticar a homossexualidade novamente” em troca da permanência na vida militar. Matlovich recusou. Diante do impasse, houve um acordo financeiro para que o rapaz abandonasse a caserna. Ele, então, usou o dinheiro para abrir uma pizzaria.
A essa altura, fica-se imaginando a pressão que deve ter sofrido de todos os lados – militares, familiares, puritanos, moralistas e demais pessoas sempre prontas para o julgamento, condenação e apedrejamento dos que pensam de modo diferente e ousam desafiar o “sistema”. Não deve ter sido nada fácil!
Com a epidemia da Aids, Matlovich vendeu seu restaurante e foi para a Europa. Lá teve a ideia de criar um memorial nos Estados Unidos. Retornou ao seu país e, em San Francisco, passou a ser vendedor de carros e forte ativista por melhor tratamento de pessoas com HIV e com Aids.
Em 1986, sentiu-se muito cansado e, em seguida, foi vítima de uma infecção no peito para a qual os médicos não encontravam cura. Em setembro do mesmo ano, recebeu o diagnóstico de HIV. Incapacitado para o trabalho, começou a viver de uma pensão do governo americano. Enquanto teve forças, foi um grande ativista das causas homossexuais, principalmente em protesto contra a política homofóbica do presidente republicano Ronald Reagan.
Matlovich veio a morrer em 22 de junho de 1988, a menos de um mês de seu 45º aniversário. Com o intuito de que seja uma espécie de memorial para todos os veteranos gays, o túmulo não traz o seu nome. Nele se lê, “Never again 06 July 1943 – Never forget 22 June 1988 – When I was in the military, they gave me a medal for killing two men and a discharge for loving one” (” Nunca mais – 06 de julho de 1943 / Nunca esqueça – 22 de junho de 1988 – Quando estive nas Forças Armadas, deram-me uma medalha por matar dois homens e uma dispensa por amar um”).
Há uma placa de bronze em sua memória perto da entrada do apartamento no qual ele viveu, na esquina das ruas 18th e Castro, em San Francisco.
Em 21 de agosto de 1978, foi ao ar pela NBC um filme sobre ele, intitulado “Sargento Matlovich versus Força Aérea Americana”, dirigido por Paul Leaf e com Brad Dourif no papel título.
Segundo diversos sites, ele foi a primeira pessoa abertamente homossexual a aparecer na capa de uma revista americana. Matlovich divide com Havey Milk não só o respeito por parte dos homossexuais, mas também a dignidade e a grandeza com que ficou para a história recente dos movimentos LGBT+.
Que seja para sempre lembrado!
5 Comments
Interessantíssima a Crônica, professor!
Não conhecia a história, e tenha certeza, compartilharem.
Retificando, compartilharei!
Parabéns por mais essa crônica, meu amigo! Tomara que a partir de 2022 as pessoas sejam mais justas, humanas e menos racistas! Abraços, Bob
Que história interessante e triste, mas adorei , espero que um dia todo esse preconceito acabe. Obrigada amigo.
Muito interessante esta Crônica.
Nunca tinha ouvido falar de Leonard Matlovich e por tudo que ele passou. É importante que Pessoas como ele e outros que lutaram pelo Direito dos LGBTQIA+ tenham a Memória Preservada e Respeitada.
Imagino o que este Rapaz deve ter passado como Milk por ter tido a Coragem de falar abertamente de sua Homossexualidade e quantos problemas,agressões não deve ter Sofrido.
Parabéns a estes Corajosos que tanto fizeram pelas Pessoas terem o direito de ser o que realmente são, Seres Humanos.
👏👏👏👏