“Que hei de fazer em Roma? Não sei mentir” – Juvenal (60-140), poeta romano.
No dia seguinte, o sol bateu forte na janela e acordou os dois quase ao mesmo tempo. O primeiro foi o dono da casa, que abriu os olhos com dificuldade e, mentalmente, foi enumerando o que tinha de ser feito naquela manhã. Segundos depois, como se ouvisse os pensamentos do primeiro, o outro abriu os olhos, protegendo-os do sol que entrava no quarto. Abraçaram-se longamente, ensaiaram uma nova transa, mas o despertador do celular tocou e trouxe os dois à realidade.
Levantaram-se com preguiça, ambos nus, e tomaram um banho morno, porque um deles não topou o banho gelado proposto pelo outro. Gelado? Tá louco? A essa hora da manhã? Mas é verão! Nem assim! Gelado, não! Saíram do banho juntos. Enxugaram-se enquanto o sol insistia em invadir o quarto e esquentar os travesseiros. O dono da casa pegou uma escova de dentes novinha e a cedeu para o visitante, que, surpreso, pensou se aquilo era uma rotina na vida do outro.
Enquanto o visitante se arrumava com mais lentidão, o dono da casa foi à cozinha, abriu a geladeira, lavou os morangos frescos com cuidado e preparou duas tigelas com as suculentas frutas vermelhas e o iogurte consistente e desnatado. Café? – gritou para o outro, que disse que não. Precisava sair com rapidez. Quando chegou à cozinha, espantou-se com os morangos suculentos e bonitos, que faziam um belo contraste com o iogurte branco. Sentaram-se à mesa, olhando um nos olhos do outro, enquanto comiam. Nunca fizeram isso pra mim – morangos com iogurte, disse o visitante. Há sempre uma primeira vez, disse o anfitrião. São morangos orgânicos, de um supermercado muito bom daqui de perto. Gostou? Adorei, disse o visitante! Ficam lindos com o iogurte por cima. Lindos! Obrigado, disse com um pouco de timidez. E ficou mirando as frutas vermelhas, com a cabeça um pouco longe dali. Pôs-se a comê-las. Ficou muito bom! Muito bom mesmo, declarou ao dono da casa!
Parecia hipnotizado pelos morangos: o vermelho que atraía seu olhar, o branco do iogurte ressaltado na tigela azul turquesa, a toalha da mesa, branca também, trazendo paz à cozinha, combinando com o iogurte desnatado que banhava as frutas doces e saborosas. A cortina amarela da janela da cozinha. Os armários na cor prata dando um ar elegante ao ambiente. Tudo era diferente naquela manhã. Tudo. O visitante esqueceu-se do mundo lá fora por um tempo, como se tudo se resumisse aos morangos na tigela redonda de louça azul. O mundo eram os morangos – vermelhos e graúdos, eram capazes de satisfazer os seus cinco sentidos.
As frutas se dissolvendo em sua boca, molhando a garganta seca, molhando sua alma. Saboreou cada uma como se fosse a primeira vez que punha aquelas frutas vermelhas na boca – pelo menos, era a primeira vez que os saboreava com iogurte.
Ainda falaram um pouco de como se paqueraram na boate e de quem havia visto quem primeiro. Entre um morango e outro, um beijo. Um limpando a boca do outro com o guardanapo de papel. Um sorriso, mais um beijo, a lembrança da transa gostosa. Essas coisas que povoam as manhãs depois de uma noite prazerosa com um estranho.
Viram os minutos correrem e apressaram-se para sair. O visitante disse que iria na direção oposta à do anfitrião. Um último beijo, o celular do anfitrião anotado pelo visitante. Vamos embora que estou ficando atrasado. Eu também. Adorei os morangos com iogurte. Bobagem, faço mais pra você na próxima vez. Faz mesmo? Faço! Vou cobrar, hein… a gente se fala.
Pegaram o elevador juntos, para o mau humor do porteiro homofóbico, que não entendia como dois homens podiam “fazer aquilo” juntos, a inveja lhe corroendo as entranhas. Já na calçada, ambos de óculos escuros, trocaram um abraço. O sol mais forte ainda, queimando o asfalto e os ombros de ambos. Uma manhã amarela, contrastando com o céu muito azul e o vestido verde de uma mulher que passou por eles na calçada. A despedida, cada um numa direção, cada um com seus pensamentos. O dono da casa ainda olhou para trás, mas o outro não.
O anfitrião, enquanto ia para a estação do metrô, ligou para a melhor amiga e contou sobre a noite incrível, com um cara lindo e sensível, que ele esperava ver de novo. Namoro? Ah, sei lá! Um cara desse está cheio de gente em cima. Vamos ver se a gente se vê de novo. A transa? Foi ótima! Muito boa mesmo! Fazia tempo que eu não gozava assim… vou entrar no metrô. Tá! A gente se fala depois. Beijo.
Já longe dali, o outro procurou uma sombra, não estava aguentando o sol naquela manhã. Tirou o celular do bolso e fez uma ligação. Esperou a pessoa atender. Oi, tudo bem? Não, ontem não consegui ligar porque fiquei em reunião até tarde. É… reunião na noite de domingo. Isso! Não sou eu quem determina essas coisas: é meu chefe de São Paulo. Já te disse. Estou no restaurante do hotel. Calor infernal. Devo voltar para Porto Alegre, hoje. Pego o avião às 20h. Pedrinho quer falar comigo antes de ir pra escola? Dá o celular pra ele, então. Oi, Pedrinho! Tudo bem? Papai está com saudade também. Hoje à noite, vou pra casa, viu? Boa aula. Obedeça a professora! Beijo, filho.
1 Comments
Professor, isso também aconteceu comigo, só que não foram com morangos, foi com pão italiano! Eu recém-chegado na cidade de São Paulo, tudo era novidade – quanto ao cidadão eu sabia que ele era casado. Que “viagem” com esta Crônica!