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NA ACADEMIA

Chego a uma academia, mais motivado pelo cardiologista e pela minha idade do que pela vaidade que toma conta desses homens malhados, muitos dos quais pessoas que eu conheço das noitadas em boates e cafés. Na verdade, estou cercado por várias academias, todas elas prometendo me transformar num homem mais atraente e saudável – apesar da minha idade.     

Já fui a algumas, que pesquisar preços e não se deixar levar por falsas promoções são coisas importantes. Claro que a gente se deixa convencer pelo nome de uma, pela infraestrutura de outra, pela indicação de um amigo ou mesmo pela comodidade de estar próxima de casa. Vale tudo pra não gastar muito, embora a saúde não tenho preço.

Chego a esta academia meio contrariado, sem muita  vontade de frequentar um lugar desse. Não por preguiça. É que prefiro a caminhada ao ar livre, ouvindo minha música, respirando o ar (poluído) desta cidade. Dirijo-me ao balcão de informações e cumpro o ritual já visto em outras academias de ginástica: pergunto sobre preços e sobre o que o lugar me oferece etc. O atendente, um rapaz educado e treinado para este tipo de serviço, pede que eu aguarde, que ele já vai me atender.

Fico sentado e arrisco uma olhada para os fundos do salão equipado com esteiras, levantadores de peso e outros aparelhos que, penso eu, vou começar a conhecer em breve. Vejo pessoas suadas, malhadas, exalando saúde e vitalidade – são sobretudo rapazes, cuja idade não ultrapassa, pelos meus cálculos, os 30 anos. Sinto-me como pai deles. Dou risada sozinho. Bobagem minha! Talvez seja o horário.

        Uma vez, um amigo meu disse que os gays tinham dois templos sagrados: a academia de ginástica e o shopping center. Um era para ficar com o corpo bonito e “sarado”; o outro era para exibir esse corpo bonito e “sarado”! Eu ri.

O rapaz que me atende, contudo, é obeso e está claramente fora de forma. “Casa de ferreiro, espeto de pau”, penso comigo mesmo. Seus gestos são lentos, vagarosos, ele deveria perder pelos menos uns 20 Kg. É um moço bonito de rosto, mas seu corpo não condiz com o lugar onde trabalha. Mais ou menos como uma atendente num consultório odontológico que esteja com cáries nos dentes da frente.

Percebo instantaneamente que também eu já estou com essa mania de cobrar das pessoas que elas tenham um corpo perfeito; eu, que preciso de exercícios e que, desde a adolescência, apresento uma barriga longe de ser um “tanquinho”, como dizem. “Fulano, peito pra fora, barriga pra dentro! Vamos arrumar essa postura! Isso está uma vergonha!”, gritou o tenente, no meu primeiro dia de quartel, há tantos, tantos anos! Pois é… quem sou eu para reparar no físico de alguém?

Ele me chama: é minha vez de ser atendido. Ele me explica os planos todos: mensais, semestrais, anuais. Pega um folheto colorido e indica com a ponta da caneta as coisas todas que a academia possui – esteiras, aparelhos de musculação (de que eu preciso!), piscina, quadras de vôlei, de basquete e de futebol e mais uma série de atrações. Sinto-me entrando na Disney! Um mundo novo se revela pra mim!

Não sei se farei parte da horda de homens malhados que fazem questão de sair de seus exercícios com camisetas regatas, calções justos e cabelos molhados. São, em sua maioria, barbudos (os pelos estão na moda!) e musculosos, exalando masculinidade e força.

É uma mistura de narcisismo e cuidado com a saúde. Vou mergulhar nesse mundo e ver o que ele me reserva.

Quanto ao atendente gordinho, saio da academia me recriminando. Talvez eu tenha sido preconceituoso e politicamente incorreto. Talvez, não: eu fui.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Excelente crônica, evidente pleonasmo!!!!
    Não é possível escapar da inexorável passagem do tempo. Nossos órgãos progressivamente desaceleram suas funções e…la nave va!!!!
    Impossível escapar.
    Parabéns pela crônica
    Grande abraço

  2. Roberto disse:

    Meu amigo, também não curto fazer musculação. Até nos encontramos em plena avenida Paulista após uma caminhada inalando um série de poluentes. Todavia um dia terei que fazer exercícios com pesos, por recomendação médica. Parabéns por mais essa crônica bem humorada. Abraço, Bob

  3. Professor, academia é um local de gente bonita, pessoas “fortes” e saradas! Eu não teria paciência em frequentar uma ambiente assim, salvo orientação médica. Prefiro fazer as minhas caminhadas, respirando o ar puro da “Rainha das Serras” (chamamos nossa querida cidade assim – por conta da Serra da Mantiqueira). Ultimamente tenho ido para o serviço caminhando, é uma benção. Crônica bem humorada, impossível não pensar de quantas coisas acontecem no “reduto”.

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