“É mais difícil preservar a liberdade do que obtê-la” – John Caldwell (1782-1850), filósofo e político americano.
Em sua autobiografia, “Born to run”, Bruce Springsteen escreveu: “Após todo o meu sucesso, eu ainda fico com inveja do Rod Stewart (…): ele canta magnificamente e sabe o que fazer com sua voz”. Acho que Bruce foi humilde demais. Sua voz é ótima para os concertos de três horas e meia, quatro horas, nos quais hipnotiza a plateia que, no fim, ainda pede mais.
Bem, mas Rod tem, sim, seu valor como cantor. Ele foi meu primeiro grande ídolo na música, destronado mais tarde por Bruce. Sempre sonhei em vê-los dividindo um palco, cantando músicas um do outro, porém isso nunca aconteceu. Quem sabe um dia!
Rod é de família escocesa, mas nasceu na Inglaterra, em 1945. Vira e mexe, faz alusão às suas raízes em suas músicas e sempre acompanha a Seleção da Escócia nas Copas do Mundo. Com uma carreira bem longeva – começou a cantar nos anos 60 -, sua discografia traz canções que são verdadeiros hinos em shows inesquecíveis como o primeiro Rock in Rio, de 1985, por exemplo. Foi de arrepiar!
O homem sempre foi “porra louca” e detalhou tudo também numa autobiografia – suas amantes, suas aventuras no palco, suas desventuras com drogas etc. Um verdadeiro “rock´n´roller” das antigas! Com muita frequência, ouço seus discos, mas esqueço, apago da memória os cinco CDs que lançou intitulados “The Great American Songbook”. Venderam mais do que banana na feira, porém não gosto de nenhum deles. São músicas, para mim, feitas para as vozes de Frank Sinatra, Tony Bennett, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Andy Williams etc. Acho que são composições que não têm nada a ver com Rod Stewart – ou vice-versa. Bom pra ele, contudo, que os discos tenham vendido bastante.
Em 1977, Rod lançou “A night on the town”, do qual os grandes sucessos foram “Tonight´s the night” (um hino à perda da virgindade) e “The first cut is the deepest” (letra de Cat Stevens). Mas há uma faixa pouco conhecida hoje, que talvez, à época, tenha causado um certo desconforto e uma certa polêmica.
Composição do próprio Rod, “The killing of Georgie (Part I and II)” é uma música bem diferente do que ele já havia escrito e/ou gravado antes. O libreto que acompanha o CD diz que o cantor “geralmente compõe linhas suaves, deixando que o ouvinte imagine o resto”, mas os versos em “The killing of Georgie” relatam sem frescura o assassinato de um amigo gay em New York.
A música é bonita e, como não poderia deixar de ser, bastante melancólica e triste. Rod consegue, com sua interpretação, transmitir todo o pesar e toda a saudade pelo amigo que se foi. Nos primeiros versos, a gente ouve:
“Nestes dias de mudanças
Os chamados ‘dias de liberdade’
Uma história de um amigo me vem à mente
Georgie era gay, eu acho, nada mais, nada menos
O cara mais gentil que eu conheci”.
Feita a apresentação da personagem, vamos à sua vida em família. Como muitos gays, Georgie tem uma mãe que “derrama lágrimas em vão na tarde em que o filho tenta explicar a ela que ele precisa de amor como qualquer pessoa”; há, claro, um pai inconformado também: “O pai disse que devia haver um engano – como é que meu filho pode não ser hétero depois de tudo o que eu disse e fiz por ele?”.
Mais adiante, ficamos sabendo que o rapaz vai para Nova York, onde é aceito pela elite e “nenhuma festa era completa sem ele”. E a vida do moço parece engrenar na grande cidade.
Em uma noite, porém, Georgie decide sair de um teatro mais cedo e pegar um atalho pra casa. Ele é atacado por uma gangue e esfaqueado por um garoto. “O sangue dispersou a gangue / Uma multidão se formou / Uma ambulância tocou sirene na esquina da rua 53 com a rua 3”. Não fica claro se foi ou não um crime de homofobia – todos estão sujeitos a assaltos com fim trágico -, mas perder um amigo querido é sempre muito duro.
Voltando um pouco no tempo, é fácil constatar que o mundo do “rock and roll” nunca foi muito simpático aos homossexuais – sempre pregaram liberdade, mas jamais foram muito tolerantes com gays. Há muitas décadas que os compositores do rock escrevem sobre pessoas obcecadas por sexo, romance e drogas, mas eles vão até certo ponto. Nem todos sabem lidar com a homossexualidade – bem poucos, eu diria.
Isso tem mudado dos anos 90 pra cá, creio eu. Posso estar errado, pode ser que na década anterior a coisa já estivesse melhor, mas não me lembro disso. No mundo da Disco Music e do Pop, sim, era mais fácil encontrar simpatizantes, mesmo porque a Disco era gay por excelência. Não era todo dia que um cantor de rock gravava uma música como “The killing of Georgie”, pois seu tema deixava as pessoas desconfortáveis… e talvez ainda as deixe!
Em outra passagem, Rod canta: “A última vez em que vi Georgie vivo / foi no verão de 75 / ele disse que estava apaixonado / e eu disse que ficava contente com isso”.
Como escrevi acima, é uma letra melancólica e saudosista. Rod estava inspirado quando a escreveu, pode-se ver. A música é uma bonita homenagem a um amigo que morre de forma trágica e, só por isso, já seria marcante. Segundo a canção, Georgie recomendou: “A juventude é uma máscara; viva-a bastante e viva-a depressa”.
No fim, há até um plágio: Rod canta “Por favor, Georgie, / fique, não vá embora” e a melodia nos faz lembrar de “Don´t let me down”, dos Beatles. Li numa revista que, certa vez, ele admitiu para John Lennon que o trecho era uma cópia mesmo.
Nem precisava.
2 Comments
Não ouço Bruce e Rod com frequência! Gostaria muito de ouvir “dancing in the dark” do Bruce e “strangers again” do Rod, com eles, ou melhor, um dueto – pra mim seria o máximo. Já os álbuns do Rod “the great American songbooks”, são músicas para vocais negros, somente. Seria como Bruce cantar “disco music” e Nile Rodgers “pop rock”. Enfim, ambos estão em seus “tronos” e nos proporcionam momentos felizes.
Tim, que texto lindo, e que música linda, cópia ou não o Rod sabe emocionar a gente, e espero que as tais mudanças aconteçam um dia.