A PARTIDA
13 de dezembro, 2024
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O PRESENTE ERRADO

Natal chegando. Todo o mundo já ganhou um presente que não queria – e passou raiva. A pobre da Cíntia também.

 

Querido Papai Noel,

Tudo bem com o senhor? Muito frio aí no Polo Norte? Os anõezinhos estão trabalhando muito?

Olha, Papai Noel, desculpe a cartinha de última hora, mas é que não pude me conter: eu tive que fazer esta reclamação, mesmo com o senhor sendo este bom velhinho, simpático, doce e querido por todos. É claro que o senhor não vai se lembrar de mim no meio de tanta gente que lhe escreve pedindo presentes no Natal… mas vamos lá!

No Natal do ano passado, eu lhe pedi um namorado. Eu queria tanto um rapaz bacana, romântico, que guardasse datas como nosso aniversário de namoro ou o meu aniversário ou ainda o Dia dos Namorados! Eu queria muito um rapaz que me abraçasse no cinema e entendesse quando eu chorasse em filme com cachorro morrendo, gato ressuscitando, esquilo comendo na mão do par romântico do filme, baleia salvando criança etc. Queria mesmo! Queria um namorado que perguntasse como fui na prova, que me ajudasse a fazer meus trabalhos de escola, que me mandasse “bom dia” pelo Whatsapp todo dia de manhã, que me mandasse coraçãozinho à tarde, que me fizesse surpresas como aparecer do nada ou comprar chocolate importado pra mim.

Eu queria um namorado que não ficasse só pensando no time de futebol, que não andasse com a camisa do clube pra cima e pra baixo, de bermuda e de chinelo, bonezinho virado pra trás, sem um emprego fixo e essas coisas, que sempre aparecem para as minhas amigas. E pedi também que ele pelo menos tivesse grana para dividir comigo o hambúrguer, o refri e as fritas no Mac na tarde de sábado ou de domingo. Chato isso de ficar pagando tudo para marmanjo.

E o senhor me atendeu – mais ou menos! Conheci o Olavinho no metrô, quando eu vinha do trabalho. A gente se olhou, e logo vi que podia rolar alguma coisa legal. Ele sorriu, elogiou o meu cabelo e a minha bolsa. Disse que ficava muito legal a bolsa combinando com meu sapato. Elogiou até meu esmalte. Achei que era uma cantada diferente.

A gente desceu na mesma estação. Ele morava a cinco quadras daqui de casa. Caminhamos um pouco juntos e ele disse que tinha de voltar logo pra casa, porque não gostava de andar na rua tarde da noite. Eu concordei. Trocamos celular e começamos a conversar naquela noite mesmo. Disse que estava estudando para prestar vestibular para Moda. Achei chique.

Ele mandou umas fotos dele com umas poses estranhas, mas tudo bem. Depois, mandou umas fotos do quarto. Na parede, um pôster do Justin Bieber e outro da Taylor Swift. Achei “cool”.

Lembro que ficamos conversando até quase as 2h da manhã. Ele disse que adorava os filmes “Mamma Mia” e gostava de ABBA também, embora ouvisse menos do que a Taylor.

Marcamos um encontro para o fim de semana seguinte, Papai Noel, e foi bem legal. Passeamos pela Paulista e encontramos uns amigos dele. Notei que ele tinha um brinquinho de pedrinha vermelha na orelha esquerda. Comentei que era bonitinho, e ele disse que não combinava com a roupa que ele estava usando naquele dia, que tinha esquecido de trocar.

Fomos ao cinema. Vimos um filme romântico, e ele chorou mais do que eu. Aliás, eu não chorei, Papai Noel. Achei o filme doce demais, chato até. Ele se debulhou em lágrimas. Achei fofo.

Na primeira vez em que me levou para a casa dele, ficamos a tarde toda ouvindo ABBA, Taylor, Barbra Streisand, Madonna, Cher e Christina Aguilera, lembro bem. Confesso que aquilo me cansou um pouco, Papai Noel. Eu queria sair com ele, namorar, dar uns beijos, essas coisas que os namorados fazem. Ele não quis.

Lembro que, quando pôs “Holiday”, da Madonna, começou a dançar no quarto pra mim e me ensinou alguns passos que eu não conseguia dar. A mesma coisa quando tocou “Dancing Queen”.

Quando se cansou, começou a tocar um disco antigo da Barbra e chegou a chorar quando ouviu “People”. Não entendi muito bem. Achei que a música lhe trouxesse alguma recordação triste de família ou coisa parecida. A música da Cher o animou de novo.

Lá pelas tantas, o pai bateu na porta e botou a cara dentro do quarto. “Olavo Júnior, para com essas cantoras chatas e toca um samba, rapaz! Bota um pagodão aí, menino!”.

Ficamos um pouco constrangidos e rimos. Um riso amarelo, Papai Noel. Eu querendo sair daquele quarto, e o Olavinho me mostrando uma música atrás da outra no Spotify. E ele cantava junto, sabia todas as letras de cor e as coreografias dos vídeos. Uma loucura!

Papai Noel, ficamos juntos por um mês. Não rolou um beijo sequer. Transa, então, nem pensar. Desculpe, Papai Noel, mas tenho que falar disso. Olavinho não avançou o sinal uma vez sequer, e, quando eu fui pra cima, ele disse que me respeitava e que queria ir devagar. Devagar, Papai Noel! Devagar! Devagar na era do 5G?

Bom, cansada de ouvir sobre roupas, tintura de cabelo, anéis, brincos, tênis, Taylor Swift, Barbra Streisand, Christina Aguilera, Cher e Madonna, pus um fim na coisa. Aquilo era namoro? Não era, né?

Na última vez em que eu encontrei Olavinho na rua, ele estava com ingresso comprado para o show da Taylor no Rio de Janeiro. Ia com um amigo que ele tinha conhecido numa balada e que dividia com ele a paixão pela cantora. Nunca mais falei com ele, Papai Noel. Nunca mais eu o vi no bairro, mas, no mês passado, encontrei a mãe dele na feira, e ela me disse que o Olavinho tinha ido morar com o tal amigo, fã da Taylor. Alugaram uma kit no centro da cidade.

Papai Noel, neste próximo ano, o senhor pode me arranjar um rapaz diferente do Olavinho?

Obrigada, viu? Desculpe pela exigência, mas é que sou uma menina que precisa de um namorado que me curta, e não que curta minha bolsa e a tintura do meu cabelo.

E outra coisa: peguei um ódio de Barbra Streisand, Madonna, Cher, Taylor Swift e Christina Aguilera que o senhor não faz ideia! Não aguento ouvir uma música sequer dessas fulanas.
Feliz Natal, Papai Noel! Desculpe pela reclamação.

Beijo para todos aí do Polo Norte.

Cíntia.

Desejo a todos os meus amigos queridos um Feliz Natal, com muita paz, harmonia e saúde… e que vocês, ao contrário da moça acima, ganhem aquilo que desejarem. É um saco ganhar presente errado! (Desculpem o trocadilho…)

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

2 Comments

  1. Com certeza foi presente errado! Imagine se tocasse “Vogue” ? Seriam “caldas e mais caldas”, lençóis e mais lençóis voando naquele quarto.
    Pensei muita coisa, professor.

  2. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Bela crônica. Muito verossímil. Será que todas as pessoas sabem o que querem? Imagine o Papai Noel como se fosse o gênio da lâmpada. As pessoas saberiam o que pedir? Corre-se o risco de pedidos estapafurdios(sic).
    Parabéns pela crônica

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