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POSSIBILIDADES

Ele vinha pela Avenida Paulista, caminhando lentamente, fim de tarde, vento no rosto, paletó seguro pelo dedo indicador, pendendo pelas costas, depois de um dia cansativo de trabalho. Batera a meta, clientes e investimentos novos para o banco no qual fora admitido fazia pouco menos de um ano. Agora, a volta pra casa, a pé mesmo, sem metrô, ele queria caminhar pela avenida, sentir no rosto a brisa da tarde que acabava.

Caminhava sem pressa. Fazia questão de caminhar sem pressa. Já chegava a correria da agência – telefone tocando, computador com dados financeiros intermináveis, números e mais números, seu gerente fazendo pedidos e dando ordens, o almoço meio corrido por causa da visita a um cliente. Agora, queria se ver livre de tudo isso… pelo menos enquanto voltava pra casa.

Morava ali no Paraíso. Como era mesmo aquela piadinha que corria na agência cada vez que ele falava o nome do bairro onde morava? “Por que o casamento é igual à Avenida Paulista? Porque começa no Paraíso e termina na Consolação”. Com o tempo, a coisa perdera a graça. Pegava o metrô e, três estações depois, estava em casa. Começou a pensar na possibilidade de voltar pra casa assim, sempre a pé, sem pressa, sem metrô cheio, sem correria.

Ele se deixou misturar com a gente na avenida. Gente de todo tipo, cor e altura: homens, mulheres, crianças, policiais, gente de terno e gravata como ele, skatistas, jovens tatuados, um repórter tomando o depoimento de alguém para o telejornal de logo mais à noite, vendedores de cachorro-quente, pipoqueiros… E ele foi caminhando devagar, misturando-se à multidão.

Pensou que o rapaz da noite anterior, na boate, poderia ligar pra ele. Talvez um chopp num bar da própria Paulista; talvez um papo antes de uma pizza. Ficou sem vontade de ligar: se o outro ligasse, rolaria. Ele não ia tomar a iniciativa.

Próximo à Rua Pamplona, parou no cruzamento. Carros e mais carros que passavam, gente que invadia a rua e atravessava no sinal fechado para pedestres. São Paulo em fim de tarde.

De repente, alguém o tocou no braço e ele se voltou para ver quem era. Viu o sorriso estampado no rosto do outro. Fulano! Há quanto tempo! Nossa! Tudo bem? Tudo! E você? Tudo legal! Indo pra casa? Sim… e você? Indo pra faculdade. Faculdade? Quarto ano de Direito! Que legal! Como estão as coisas? Na correria! Seu celular é o mesmo de dois anos atrás? Sim! Então vou mandar uma mensagem pra você ainda hoje e a gente combina alguma coisa. Meu número mudou. Pode ser? Pode, claro! Manda mesmo! Vou mandar, sim! Até! Até! Boas aulas! Obrigado!

Ainda ficou olhando pra trás enquanto o outro entrava na estação Trianon. Estava surpreso. Surpreso e, de um forma estranha, contente por ter revisto aquele rapaz. Dois anos! Já fazia dois anos? Dois anos que tinham estado juntos na casa de amigos em comum. Jogo do Brasil na Copa do Mundo. Depois da partida, uma cervejaria com o grupo de amigos. Eles trocando olhares, sorrisos, a perna de um encostando na perna do outro sob a mesa… o flerte, a carona oferecida, o beijo na portaria do prédio, a descoberta de que eram vizinhos de bairro – Vila Mariana! E você? Paraíso? Opa! Vizinhos, então!

E a troca de mensagens pelo celular. A falta de tempo de um. A correria do outro. A eliminação do Brasil. E o encontro que nunca houve por preguiça dos dois. Ah, sei lá! Não rolou, ele explicou mais tarde para uma amiga.

Agora, esse encontro de fim de tarde. Parecia uma música que sua mãe escutava. “Todo fim de tarde é sempre assim / E uma saudade vai nascendo em mim…”. Nem soube por que pensou na música.

Foi caminhando, agora a passos ainda mais lentos, pensando no outro quase advogado. Sorriso bonito, pessoa doce, corpo sarado… quantos anos mais novo que ele? Cinco? Isso! Boa pinta, inteligente… pensou na possibilidade de ter um namorado advogado. Gostou da ideia. Pensou na possibilidade de acabar com o aplicativo no celular, na possibilidade de algo mais bonito e sincero do que a vida vazia que estava levando fazia tempo.

Não queria ser sonhador demais. Não tinha mais idade pra isso! Por favor! Mas, enquanto a noite caía, os bares se enchiam em frente à TV Gazeta e as luzes iluminavam a “mais paulista das avenidas”, ele pensava na possibilidade de ser feliz.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

1 Comments

  1. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Parabéns pela bela e leve crônica.
    Uma página em branco oferece mil possibilidades.
    O que nos reserva o instante seguinte?
    Grande abraço

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