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PUNIÇÕES

       Há muitas formas de preconceito e punição. Poucas, no entanto, são tão cruéis como a marginalização, o desprezo e a morte.

 

PUNIÇÕES

 

Acabo de ler um livro muito interessante e, em muitas passagens, bastante triste e que nos faz refletir: “Heróis e Exílios – ícones gays através dos tempos”, de autoria de Tom Ambrose.      

Trazendo na capa uma foto de Oscar Wilde – símbolo de inteligência, perspicácia, talento literário e afronta, mas também de infelicidade, preconceito e punição -, a obra é um apanhado geral de vários nomes que, desde os tempos mais remotos, foram punidos com exílio, com prisão e muitas vezes com a pena de morte. Castigados por sua preferência sexual, como gosto de dizer. (Para mim, a expressão “opção sexual” é um absurdo…).

Relembrando a cultura grega, na qual a relação entre pessoas do mesmo sexo fazia parte da formação do indivíduo, Ambrose nos leva à Roma do cristianismo, onde, contrariando os ensinamentos do próprio Cristo, a intolerância e a violência eram as palavras de ordem contra os homossexuais. Centrando sua atenção, num primeiro momento, na Europa e nas barbaridades que lá aconteceram durante muito tempo, o autor também nos remete às atrocidades acontecidas nos Estados Unidos devido ao puritanismo e à herança inglesa de uma sociedade voltada para os valores ditos “tradicionais”.

Há também alusões a alguns países da África e do Oriente Médio, nos quais o fundamentalismo religioso tem endurecido muito a vida de quem não “se encaixa” no sistema vigente. Ficamos um tanto estarrecidos e perplexos diante do que ainda acontece nesses lugares, em pleno século 21.

O autoexílio de escritores, atores e até de governantes apresentava-se como uma opção real de liberdade e até de sobrevivência – deixava-se o país de origem para se escapar da marginalização e da morte. Nesse panorama, a Itália foi, por muito tempo, o Eldorado de homossexuais  (mulheres e homens), sendo substituída pela França como país de maior tolerância para essas pessoas.

Ambrose também nos mostra, por exemplo, toda a liberdade sexual de que gozavam as pessoas em Berlim na década de 1920… até que Hitler subiu ao poder. É mais do que conhecida sua política de segregação e de extermínio em nome de uma “limpeza étnica” por que deveria passar a Alemanha. O livro diz que “em 4 de abril de 1938, um decreto ordenou que os homossexuais fossem encarcerados em campos de concentração e, nos sete anos seguintes, mais de 100 mil homens suspeitos de homossexualismo foram presos, a metade dos quais foi condenada e sentenciada ao exílio interno, dentro dos campos (…) Não obstante sua idade ou origem, todos foram forçados a usar um triângulo rosa, denunciando seu desvio sexual, enquanto os prisioneiros políticos usavam um vermelho; os criminosos comuns, verde; os ciganos, negro; os judeus, amarelo, e assim por diante(…)”.

(Deixo aqui como indicação o filme “Bent”, de 1997, com Clive Owen, Jude Law, Ian McKellen e até Mick Jagger, o vocalista dos Rolling Stones. Baseado na peça de Martin Sherman e dirigido por Sean Mathias, é uma obra sensível e impactante sobre homossexuais nos campos de concentração da Alemanha nazista.)

Bem, nada disso é novidade para o leitor mais bem informado sobre todas as perseguições de que essas pessoas foram (são) vítimas. Há, porém, uma informação no livro que, confesso, me pegou de surpresa e me deu uma certa angústia. Eu não sabia que os Aliados, ao tomarem a Alemanha, decretando a vitória sobre Hitler e seu regime, não reconheceram as atrocidades cometidas pelo führer contra os homossexuais.

Ambrose afirma que “depois da guerra, os prisioneiros homossexuais não foram reconhecidos como vítimas da perseguição nazista da mesma maneira que os judeus, os ciganos e os eslavos”. E acrescenta o que, para mim, foi muito entristecedor: “Quando a guerra terminou, o estigma continuou sob o Governo Militar dos Aliados na Alemanha. Todas as reparações aos gays foram recusadas, e alguns chegaram a ser forçados a completarem suas sentenças, não obstante o tempo passado nos campos. A justificativa para isso foi que aqueles homens era criminosos presos ‘legalmente’, embora  o Judiciário encarregado de sua punição fizesse parte da ditadura mais tirânica da história”. Em outras palavras, os Aliados deram continuidade à barbárie nazista imposta aos homossexuais.

Certa vez, um amigo meu, professor também, mais velho e mais experiente, heterossexual, me disse acerca dos absurdos cometidos na II Guerra Mundial e depois dela: “Até que se tenha um Spielberg gay, cigano ou negro, alguém tão famoso e respeitado no mundo do cinema quanto o diretor norte-americano, as pessoas vão achar que somente os judeus foram perseguidos por Hitler”. Ele queria dizer que, passados tantos anos, outras denúncias precisam ser feitas. 

Ainda desconhecemos muitos absurdos cometidos na história da sexualidade humana.

Bibliografia:

AMBROSE, Tom – Heróis e Exílios- Ícones gays através dos tempos, Belo Horizonte, Ed. Gutenberg, 2011, pp. 164-165.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

5 Comments

  1. Patricia disse:

    Excelente leitura, Professor Vitor. Muitas novidades para mim. Nunca havia pensado nisso mas, logicamente, atrocidades contra homossexuais também haveriam de ter acontecido na época da tirania nazista de Hitler, um dos maiores “haters” conhecidos. Vou procurar o filme citado, “Bent”, e assistir com certeza! Parabéns por mais um texto de excelente qualidade.

  2. Bernadete disse:

    Crônica excelente e muito esclarecedora. Às vezes, bate uma desesperança… Será que, algum dia, todos esses preconceitos vão acabar? É o homem contra o homem. Nenhuma empatia. Não dá para entender o sentido de tudo isso.

  3. Baltasar Pereira disse:

    Interessantíssima esta Crônica e como nós amplia a Visão do que ocorreu em vários povos em relação aos Homossexuais.
    Não sabia sobre como foram tratados os Homossexuais depois que a Segunda Guerra acabou. Fiquei pasmo com o descrito. Apesar de todas as Liberdades dos Tempos Modernos,ainda existem muitos Países e Regiões no Mundo no qual o respeito ao Homossexual não existe. Triste Realidade. Bela Crônica. Um adendo, concordo com o Cronista quando diz que não trata-se de “opção ” Sexual. 👏👏

  4. Rony Braga disse:

    Muito bom seu texto me trouxe a lembrança do filme Bent e me fez lembrar um livro que li alguns anos atrás que descrevia muito profundamente como foi esse período da guerra com pessoas Homossexuais. O Triangulo Rosa – Um Homossexual no campo de concentração a nazista de Jean Luc Schwab. Muito interassante que mesmo neste livro não relatava o que ocorreu após o termino da guerra.

  5. Meses atrás assisti ao filme Bent, realmente triste. E há pessoas que dizem que os campos de concentrações não existiram, que o Holocausto, a perseguição, os experimentos em seres humanos também não.

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