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ROCK HUDSON

Se eu não estiver enganado, o primeiro filme a que assisti de Rock Hudson foi “Não me mandem flores”. Seguiram-se a ele, “Volta, meu amor” e “Confidências à Meia-Noite”, todos com Doris Day. Depois, foi a vez de “Quando setembro vier” e, finalmente, “O esporte favorito do homem”. O leitor mais ligado já sacou: foram todos exibidos numa daquelas semanas que a TV Globo promovia na Sessão da Tarde – “Semana Elvis Presley”, “Semana Annette Funicello & Frankie Avalon e a Turma da Praia”, “Semana Filmes Bíblicos” etc. Tempo em que havia alguma qualidade nos filmes exibidos na TV aberta.

Lembro ainda de ter visto essas comédias com Rock ao lado da minha mãe (os gays e suas mães!), que sempre me dizia ter assistido a esses filmes no cinema, na época em que haviam sido lançados. Pra ela, era uma viagem no tempo; pra mim, o início da viagem ao cinema americano dos chamados Anos Dourados. Viagem que, aliás, dura até hoje. Amém!

Eram filmes inocentes, ingênuos, em que a grande ousadia era um beijo mais demorado ou coisa parecida. Mas a gente se divertia com as aventuras dos personagens, principalmente com a elegância, o charme e as confusões da dupla Rock Hudson-Doris Day.

Rock nasceu Roy Harold Scherer Jr. e, mais tarde, Roy Harold Fitzgerald (depois de adoptado pelo padrasto), segundo a internet. Veio ao mundo no dia 17 de novembro de 1925, na cidade de Winnetka, no estado do Illinois.

A Wikipedia informa que, “depois de terminar o colegial, o ator serviu nas Filipinas, como mecânico de manutenção de aeronaves, para a Marinha dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1946, Hudson se mudou para Los Angeles para tentar a carreira de ator e se candidatou no programa de dramaturgia da Universidade do Sul da Califórnia, mas foi rejeitado devido a notas baixas. Trabalhou como motorista de caminhão por algum tempo, ansiando por ser ator, mas sem sucesso em entrar na indústria cinematográfica. Depois de mandar ao caçador de talentos Henry Willson uma foto sua de 1947, Willson aceitou-o como cliente e mudou seu nome para Rock Hudson, apesar de Hudson mais tarde ter admitido que odiava o nome artístico”.  

Num livro sobre galãs hollywoodianos que tenho aqui, Rock é descrito como “um bonitão de rosto quadrado, um dos últimos astros criados pelos estúdios, projetando a ilusão de que ele era o par ideal de toda mulher”. Bem, não há muito exagero nisso. É perfeitamente possível imaginar o que ele provocava nas moças dos anos 50 e começo dos 60. Boa pinta, sempre em papéis de protagonista, bom moço, educado, gentil e, apesar da estatura, bastante doce.

Sua condição de homossexual poderia acabar com sua carreira naquela década de 50. Assim, seu agente arranjou para Rock um casamento de fachada com a própria secretária do ator, Phyllis Gates, em 1955. Como Hudson continuou mantendo relações com homens, o divórcio veio em 1958. (A moçadinha de hoje não faz ideia do que é repressão…)

Foram muitos os filmes que vi dele depois que entrei para minha fase adulta. “Assim caminha a humanidade” (“Giant”, de 1956), talvez o mais famoso, contava também com Elizabeth Taylor e James Dean. Taylor foi amiga de vida inteira e contam que ela estava ao lado de Rock quando ele morreu. Mas não dá pra esquecer de “Sublime Obsessão”, “Tudo o que o céu permite”, “Nunca deixei de te amar” e “Palavras ao vento”.

Na TV, os mais saudosistas vão se lembrar de “O Casal McMillan” (“McMillan & Wife”), com Susan Saint James, que foi ao ar entre 1971 e 1977, fazendo sucesso também no Brasil. Era uma espécie de precursor de “Casal 20”.

A década de 80 se iniciava e, com ela, uma doença que mataria centenas de pessoas.

Sem que o público soubesse, Rock recebeu o diagnóstico positivo para o HIV no dia 05 de junho de 1984, três anos depois que os primeiros pacientes da doença começaram a aparecer nos Estados Unidos e apenas um ano depois que os cientistas relacionaram o HIV à Aids. Rock manteve sua enfermidade em segredo e continuou trabalhando, enquanto viajava à França e a outros países buscando a cura ou, ao menos, o tratamento para frear a doença.

No dia 16 de julho de 1985, Rock juntou-se à amiga de longa data, Doris Day, para anunciar o novo programa da atriz, que seria veiculado por uma TV a cabo – “Doris Day´s Best Friends”, no qual Rock aparecia no rancho dela, em Carmel, Califórnia, gravado alguns dias antes. O ator parecia cansado e levantou suspeitas da imprensa. 

Dois dias depois, Hudson viajou a Paris para uma nova tentativa de tratamento, mas desmaiou no seu quarto do Hotel Ritz, no dia 21 de julho. Seu relações-públicas declarou que Rock sofria de câncer no fígado. Em 25 de julho, contudo, seu relações-públicas na França, Yanou Collart, confirmou que o ator realmente sofria de Aids. Rock estava entre os primeiros famosos que assumiriam ter a doença.   

        No dia 30 de julho, voou para Los Angeles, e as notícias dão conta de que ele estava tão fraco que foi removido de maca do Boeing 747 da Air France (fretado por Rock e no qual ele e os médicos eram os únicos passageiros). Foi de helicóptero para o hospital da Universidade da Califórnia (UCLA), onde passou por um tratamento de cerca de um mês. De lá, foi pra casa para ser cuidado por uma equipe particular.

Era um tempo pré-internet, pré-celular, pré-tudo. O que tínhamos era a TV, e as notícias chegavam meio obscuras, sem muitos detalhes. Lembro que Rock havia feito a série “Conexão Devlin” (“The Devlin Connection”), que a Globo mostrou por aqui, mas que havia durado somente 13 episódios, e a série dramática “Dinastia” (um novelão que concorria com “Dallas”). O problema era que, em Dinastia, o ator havia beijado a atriz Linda Evans – a imprensa sensacionalista não perdeu tempo e a atriz ficou horrorizada com a possibilidade de haver contraído o vírus. Foi um prato cheio para as revistas e tabloides de fofocas… época na qual se comprava tudo isso nas bancas e nos caixas dos supermercados. (Só mudou o veículo – o sensacionalismo continua o mesmo. Agora, a maledicência é on-line.)

Lembro de como minha mãe ficou com um misto de surpresa (por descobrir a homossexualidade de Rock) e   tristeza por “ver um homem tão bonito ficar tão magro e tão destruído”. Acho que foi o sentimento de muitas mulheres da idade dela naquele momento.

Rock morreu no dia 02 de outubro de 1985, aos 59 anos, a menos de dois meses de seu 60º aniversário. O ator pediu que não houvesse funeral, e seu corpo foi cremado. Suas cinzas foram espalhadas no canal entre Wilmington (Los Angeles) e a Ilha de Santa Catalina. Sua morte foi um choque para os fãs e para o público em geral, desavisado sobre sua homossexualidade.

Àquela altura, ele era um aviso – um duro aviso – do que estava por vir com relação ao HIV e à própria Aids.

Ironia das ironias, há uma bonita foto do ator com o casal Reagan na Casa Branca, de maio de 1984, menos de três semanas antes de ele receber o diagnóstico do HIV. Reagan, como bom republicano, era homofóbico e pouco fez enquanto a Aids matava centenas de homossexuais.   

Minha última lembrança de Rock Hudson no cinema foi em “A maldição do espelho”, de 1980, baseado num romance de Agatha Christie, que contava também com Elizabeth Taylor, Kim Novak e Tony Curtis no elenco. Aqui, foi lançado no ano seguinte. Lembro que fui, com três amigos, ao extinto Cine Metro, na avenida São João. O filme é ruim, e saímos um tanto decepcionados.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

3 Comments

  1. Grande ator, lembro que minha mãe adorava e sempre usava a seguinte frase: “ele é um pão”! Ela se referia a beleza dele, realmente um galã. Ele e tantos outros foram “destruídos” pela doença. Professor, bem colocado, “a moçadinha de hoje não sabe o que é repressão”.

  2. Ricardo Cano disse:

    A parte mais triste da história é a repressão e o duplo preconceito sofrido pelos portadores do HIV nas décadas que antecederam a descoberta do tratamento. O Brasil foi e continua sendo modelo no tratamento humanizado da doença e na criação de uma legislação que garante a dignidade das pessoas que convivem com o vírus.

  3. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Excelente crônica sobre Rock Hudson. Um grande ator que deixou saudades.
    Jovens leitores vão adorar esta pequena biografia.
    Parabéns

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