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UM TIPO BEM CONHECIDO

No vestibular de 2011, a Vunesp, seguindo sua tradição de temas voltados ao comportamento humano, propôs que os candidatos escrevem uma dissertação sobre a seguinte questão: “A bajulação: virtude ou defeito?”.

Lembro que, à época, o tema causou surpresa aos alunos. Eles não esperavam uma proposta, digamos, tão ligada ao quotidiano. Quem nunca teve de conviver com um bajulador, ou, na linguagem mais popular, um “puxa-saco”?

Sim, ele é uma figurinha carimbada (como diziam os antigos), que está presente em absolutamente todos os lugares – principalmente no ambiente de trabalho. Seu comportamento e seu caráter estão intimamente entrelaçados com algum interesse e com uma grande dose de falsidade. Freud nos dizia que “podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio”. E, eu acrescentaria, quando o elogio (ainda que falso) encontra o vaidoso, o poder da bajulação é imenso.

Admito que exista o bajulador inofensivo, que não percebe o papel meio ridículo que desempenha aos olhos das pessoas com quem convive. Na maioria dos casos, porém, esse tipo seria apenas engraçado e um tanto pitoresco se o seu comportamento não fosse perigoso, se ele não semeasse a discórdia, como muitas vezes semeia, entre os colegas de trabalho, por exemplo. Sempre dono de uma personalidade cativante, ele se apresenta como amigo até conquistar a confiança para, então, revelar suas intenções. A bajulação não mede esforços para galgar postos, conseguir promoções e melhores salários – ainda que, para isso, tenha de pisar na cabeça de colegas.

Na literatura, o primeiro exemplo que me vem à cabeça é o da personagem José Dias, o agregado da família de Bentinho, no romance “D. Casmurro”, de Machado de Assis. Dias representa um tipo social muito comum no Brasil do século XIX – as pessoas sem fortuna própria que viviam nas casas das famílias mais abastadas, oferecendo serviços, favores ou conselhos em troca de abrigo, sustento e um certo prestígio. E como José Dias se mantinha “no cargo”? Obviamente, sempre solícito, sempre atencioso e sempre pronto para elogiar D. Glória, mãe do protagonista. Ele é subserviente, mas, sempre com muita diplomacia, exerce forte influência na dona da casa. Sua “lealdade” se traduz por interesse – se é que se pode falar em lealdade. No livro, Dias é uma caricatura e, ao mesmo tempo, uma crítica ao parasitismo. 

Bentinho relata que o agregado “amava os superlativos (…), ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo (…) e, com o tempo, adquiriu certa autoridade, certa audiência, ao menos(…)”. Ficamos sabendo também que José Dias “não abusava e sabia opinar obedecendo”. Não é um simples fofoqueiro, pois sabe que sua opinião será ouvida. Quando o puxa-saco ganha a confiança do chefe, o perigo aumenta!

Subestimar um puxa-saco é sempre perigoso. Ele estuda o ambiente, observa as pessoas, tem um faro natural para o poder e centraliza aí o seu ataque dissimulado. O que agrava a situação é que, frequentemente, o puxa-saco tem seus admiradores e consegue angariar a simpatia de alguns. “Fulano? Imagine! Ele é superlegal! Simpático com todos, sempre pronto, sempre disponível para ajudar alguém aqui na empresa! O chefe gosta dele. Você é que é implicante!”. Quem nunca ouviu uma conversa assim? 

Meu professor de Latim, certa vez, mostrou uma frase do imperador romano Marco Cláudio Tácito (século III), para a classe. Ela dizia: “Pessimum inimicorum genus laudantes” – “Os aduladores, a pior espécie de inimigos”.   

Na semana passada, recebi uma mensagem, dessas que as pessoas espalham pelo Whatsapp, dizendo: “Se você está procurando emprego, reze para não encontrar muitos puxa-sacos: já vi gente com salários muito bons pedir demissão por causa deles”.

Essa é a imagem do bajulador em território nacional. Ele já é uma instituição, uma praga que está em toda parte. E às vezes tem orgulho disso: trabalhei com um cidadão que uma vez disse, em alto e bom tom, na frente de toda a equipe de Português, dirigindo-se à nossa coordenadora e uma das donas da escola: “Eu sou o puxa-saco oficial da (e citou o nome da pessoa). Esse posto é meu!”. Não aguentei e disparei: “Que beleza! Temos então nossa D. Glória e nosso José Dias…”. Os demais professores riram.

O problema, porém, é que quem puxa saco também puxa tapete.

Vigiai e orai!

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

2 Comments

  1. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Crônica interessante e didática
    O puxa saquismo é uma praga urbana no nosso dia a dia
    Eu me lembro do citado professor bajulador. Personagem marcante na rotina do nosso trabalho
    Parabéns pela crônica

  2. Professor, que Crônica interessante! Puxa-sacos, bajuladores e tantos outros estão em todos os lugares. Na política vemos muito isso, e sempre com algo em troca. Nos meus quase 62 anos de idade, ainda pago um preço alto por não ser bajulador.

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