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UMA NOTÍCIA MENOR

Leio no Estadão de 8 de outubro a notícia de um libanês – Hussein Hamza – que decidiu não fugir do bombardeio de Israel, no sul do Líbano, para andar pelos vilarejos da região a fim de alimentar os animais abandonados por famílias que migraram apavoradas.

Em um vídeo postado on-line, Hamza mostra um dos cães assustados e diz: “Pobrezinho! Olhem isso: ele está se escondendo, com medo”. A matéria diz que o homem não pensa em fugir, pois “sua missão é cuidar dos cães e de outros bichos deixados para trás”.

No dia anterior à notícia, completou-se um ano do início do conflito Hamas-Hezbollah/Israel, sem que haja algum indício de cessar-fogo e de paz. E quem sofre mais, como sempre, são os civis, que não têm nada com isso.

Este texto não pretende tomar partido, nem defender qualquer ideologia: fui tomado pela sensibilidade da notícia sobre o homem que tem demonstrado profundo carinho para com outros inocentes do conflito, inocentes que não devem fazer a mínima ideia do que está acontecendo; que não fazem distinção entre árabes e judeus; que não constroem bombas nem armas; que são fiéis a seus donos e, deles, só esperam carinho e proteção.

Não tenho animais em casa por diversas razões, e uma delas pode parecer estranha ao leitor: não os tenho, porque eles necessitam e merecem atenção, carinho, dedicação e cuidados que não posso dispender. Então, costumo dizer que não tenho animais porque gosto muito deles, um paradoxo aos olhos de muitos amigos meus. Ter por ter, sem cuidar direito, seria um absurdo.

Por falar em amigos, tenho muitos que não economizam tempo, dinheiro e amor a seus bichinhos. Dedicam-se a eles porque os amam e têm em seus animais de estimação companhias sinceras e constantes.

Todos os dias, lemos notícia de pessoas cujos animais (tenho uma certa implicância com o termo “pets”) fazem bem à saúde de seus donos, atenuando até a depressão dessas pessoas. Notícias de homens e mulheres de todas as idades, muitas vezes hospitalizadas, que apresentam melhoras com a simples presença de seus bichos ao lado de suas camas. Pessoas que se sentem mais tranquilas e calmas quando seu cachorro está presente – os labradores, por exemplo, são muito utilizados em terapias. Pesquisas dizem que isso ocorre porque o contato com animais estimula a produção dos hormônios endorfina e adrenalina, muito importantes para a melhora de diversos quadros. Em médio e longo prazo, esses benefícios podem ser ainda maiores.

Tenho amigos gays que encontram em seus bichos parceiros mais “compreensivos” que seus familiares. “Eles não me julgam, nem me condenam”, disse-me, uma vez, um amigo mais velho do que eu e dono de três cachorros. Um outro me disse: “Minha família não me dá um terço do carinho que recebo dos meus quatro gatos”.

Animais à parte, acho isso triste. Não posso deixar, porém, de notar a pureza dessa relação entre homens e seus animais de estimação. Os gays não são os únicos solitários do mundo, claro que não! A solidão pode atingir qualquer pessoa independentemente de sua sexualidade, cor, nacionalidade etc. Isso é óbvio! E cada um lida com ela da maneira como pode. Mas, como a maioria de nós, homossexuais, não terá filhos, a companhia de animais torna-se uma opção bastante viável. São muitos os casos em que isso acontece. Sem falar de muitos casais heteros que optam por animais no lugar de terem crianças. Sinal dos tempos.

Há não muito tempo, o vestibular da Unesp (Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) propôs que os candidatos escrevessem uma redação sobre o seguinte tema: “Há exagero na relação entre humanos e animais de estimação?”. Eu responderia que, por parte de algumas pessoas, sim. Nem vou entrar nesse mérito, pois não é o objetivo desse texto. Cito o vestibular como exemplo do quanto essa relação está presente hoje.

O senhor Hussein Hamza tem 56 anos e, segundo a matéria, percorre vilarejos à procura de animais em propriedades abandonadas com os portões trancados e, em mais de uma ocasião, quase foi vítima dos ataques aéreos.  Ele lhes leva ração e pede, em seus vídeos, que os donos “ao menos, deixem os bichinhos soltos”.

Toda guerra produz milhões de casos e fatos, dramas pessoais e coletivos, perdas, feridas e tragédias que, muitas vezes, nem chegam ao conhecimento do grande público. O gesto do senhor libanês pode parecer uma notícia menor – mas duvido que o seja.

Basta perguntar, para quem tem um cachorro, por exemplo, o que sentiria se tivesse que deixar tudo pra trás – casa, carro, móveis… e seu melhor amigo.

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

5 Comments

  1. Baltasar Pereira disse:

    Li também esta matéria hoje e a achei muito bonita .
    É de se admirar este Homem e como ele tantas outras pessoas,que passam ocultas ,mas deveriam ser matérias de Primeira página.

    Crônica cujo tema me sensibilizou,muito bem escrita e que nos dá um Panorama da importância dos Seres Humanos e dos Animais ,muitas vezes maltratados,mortos por Guerras ou qualquer outro infeliz motivo ,pois nada deveria causar dor e sofrimento por atitudes egoístas de Seres Humanos que se acham acima do bem e do mal

    Triste Realidade,mas a Ternura deste Homem nós dá Esperança

  2. Angelo Antonio Pavone disse:

    Olá Prof Vitor
    Excelente crônica sobre o amor de humanos com seus animais de estimação. Essa relação pode ter várias origens: solidão, terapia, etc.
    Enfim, cada qual com seus motivos.
    Parabéns

  3. Guilherme Sardas disse:

    Tenho uma shihtzu e duas gatas. Essas três meninas são parte importante da minha vida, me tornam muito melhor. E essa notícia, sendo “menor”, por isso mesmo, nos coloca mais próxima dela, cumprindo maravilhosamente a função desse gênero. Parabéns pela crônica!

  4. Professor, chegamos a ter 15 gatos e alguns cachorros! Uma das gatas chamava-se Teda Bara, muito amorosa, acompanhava minha mãe quando ia e voltava do trabalho, era impressionante. Uma boa parte dos felinos foram envenenados! Quantos aos cachorros, faleceram pela idade e outros por doença. Depois disso resolvemos não ter mais criações. A Crônica trata de um assunto de extrema relevância. Parabéns!

  5. Clarice keri disse:

    Que história bonitinha, concordo com você, ter por ter não adianta, os “pets” , meu pai os chamava de ” criação “, precisam de cuidado, carinho e dedicação, admiro as pessoas que realmente cuidam de seus bichinhos e , admiro muito mais as pessoas que se preocupam com os animais sozinhos, como sempre, adorei, obrigada.

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