O rapaz se aproxima de mim na boate. Espera que eu saia da pista para pegar uma bebida no bar e se aproxima. Eu sei que ele me observava fazia algum tempo, então não perde a oportunidade.
Wesley tem 19 anos, mais ou menos 1,80 m de altura, corpo atlético. Acabou de ser dispensado do serviço militar obrigatório e está aliviado. Mora num bairro distante e violento da zona sul de São Paulo, não gosta de futebol, mas adora skate. Seu sonho é disputar um campeonato “oficial”, como ele me conta.
Diz que está no último ano do chamado Ensino Médio. Trabalhava como segurança de banco aqui no centro. Já tomou dois tiros – um no braço e outro na perna. Tentativa de assalto. A cidade está complicada. O país está complicado. Muito bandido por aí. Pra chegar ao trabalho, toma um ônibus e duas linhas de metrô. Pra voltar, a mesma coisa – só que não vai pra casa: vai pra escola, de onde só sai às 11h da noite. “Ainda bem que fica perto de casa”.
Entre um gole e outro da minha cerveja, vou ouvindo seu relato. Wesley vive com a mãe e duas irmãs numa casa alugada. É o filho mais novo. Tem o nome do pai, que largou a família quando Wesley tinha 17 anos. Foi viver com outra mulher “talvez em outra cidade, talvez em outro estado”. Nunca mais se viram. Eles têm o mesmo nome, e, apesar da música alta, sinto uma ponta de tristeza na voz do moço. Sua mãe é balconista de loja, e a irmã mais velha faz doces pra fora. A do meio está desempregada.
Fico olhando pra ele, prestando atenção ao que Wesley me conta. Demonstro respeito, contudo minha cabeça vai longe, tentando imaginar a dura rotina deste rapaz e de sua família.
Ele me conta que gosta de Matemática, mas que tem professores muito fracos na escola pública. Mais faltam do que dão aula. Gostaria de ser arquiteto, de projetar casas. Digo a ele para ir atrás de seu sonho. O assunto entre nós morre um pouco, ele me pergunta onde moro e o que eu faço para ganhar a vida. Sou educado, ouço o que ele me diz, porém quero voltar para a pista e para minha roda de amigos.
Quando nota que o assunto vai morrer, Wesley torna a falar da própria vida, coisa de jovem que quer despertar o interesse no mais velho. De repente, a luz bate no seu rosto e vejo que o rapaz tem olhos tristes, um tanto melancólicos. Veste uma bermuda preta e uma camiseta azul. Não consigo ver direito a estampa. Tênis pretos. Cabelo curto. Barba aparada. Wesley é um típico rapaz sofrido de periferia, mas é bonito.
O assunto morre de novo e ele me diz que gosta de cinema. Foi ver um filme na semana passada, de cujo título não se lembra. Wesley começa a me contar a história do tal filme. Por educação, finjo que estou prestando atenção. Ele termina de contar e eu digo que deve ser interessante. Não, ainda não vi.
Continuo a beber minha cerveja. Ele tem a dele. Pergunta se eu tenho namorado. Ele não tem. Diz que a pessoa mais importante de sua vida é a mãe, ama as irmãs também, claro! Mas a mãe, ele nunca vai abandonar.
Não preciso ser um psicólogo para perceber a mágoa de Wesley pela ausência do pai. Pergunto o que ele diria se o encontrasse. Nesse momento, ele abaixa a cabeça e olha pro chão:
– Pedia pra ele voltar pra casa.
4 Comments
Wesley com uma mágoa imensa, se refugia nos mais velhos para que supram a ausência do pai.
Um dos textos mais tristes que já li…
Difícil segurar as lágrimas, quando se aproxima do fim…um fim que não vem, um destino que não muda. E Wesley continua esperando um pai-amor que o resgate e salve.
Olá Prof Vitor boa tarde
Crônica excelente, suave, sensível.
Como diria Nelson Rodrigues: “a vida como ela é ”
Parabéns
Uau que delícia de história, pais ausentes sempre dão histórias, adorei o jeito delicado que contou essa, obrigada.