O livro “Para sempre – 50 cartas de amor de todos os tempos”, organizado por Emerson Tin, traz uma carta de amor do poeta Cruz e Sousa para a futura esposa, Gavita Rosa Gonçalves.
João da Cruz e Sousa (1861-1898) foi um grande nome do Simbolismo brasileiro – estilo que explorava a musicalidade, a cor branca, o mistério, a nebulosidade e a espiritualidade em seus versos – e recebeu os títulos de Dante Negro e de Cisne Negro. Suas obras mais famosas são “Broquéis” (poesia) e “Missal” (poemas em prosa), ambos de 1893. O professor e crítico Antonio Candido afirmava que Cruz e Sousa foi o “único escritor eminente de pura raça negra na literatura brasileira, na qual são numerosos os mestiços”. Enquanto viveu em Santa Catarina, seu estado natal, sofreu grande preconceito racial, o que o impediu, por exemplo, de assumir o cargo de Promotor, em Laguna, para o qual fora nomeado. Em 1890, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde participou do primeiro grupo simbolista brasileiro.
A carta abaixo seria apenas mais uma declaração de amor por parte de um homem de letras, de um poeta de renome na literatura brasileira, se não soubéssemos das circunstâncias dessa relação. Cruz e Sousa casou-se com sua amada em 9 de novembro de 1893, aos 32 anos, mas o casamento não seria feliz.
Os dois sofriam de tuberculose e morreram dessa enfermidade; tiveram quatro filhos, que faleceram da mesma doença, quase todos na primeira infância – com exceção de João da Cruz e Sousa Júnior, que nascera após a morte do pai e seria vítima da tuberculose, aos 17 anos, em 1915.
Diante disso, o trecho em que ele escreve “por minha parte, sempre te quererei muito bem, e nada haverá no mundo que me separe de ti” provoca tristeza e melancolia pelo desfecho de sua vida e de sua amada.
Na carta, vemos toda a explosão dos sentimentos que inundavam o poeta e o desejo de um longo casamento. Cruz e Sousa, porém, ficaria casado com a mulher de sua vida por apenas seis anos.
Rio, 31 de março de 1892.
Minha adorada Gavita,
Estou cheio de saudade por ti. Não podes imaginar, filhinha do meu coração, como acho grandes as horas, os dias, a semana toda. O sábado, este sábado que eu tanto amo, como custa tanto a vir. Ah, como se demora o sábado! E tu, minha boa flor da minh´alma, que és o meu cuidado, a minha felicidade, o meu orgulho, a minha vida, não sabes como eu penso em ti, como eu te quero bem e te desejo feliz. Tu, Gavita, não me conheces ainda bem, não sabes que amor eterno eu tenho no coração por ti, como eu adoro os teus olhos que me dão alegria, as tuas graças de mulher nova, de moça carinhosa e amiga de sua boa mãe.
Quanto mais te vejo, mais te desejo ver, olhar muito, reparar bem no teu rosto, nos teus modos, nos teus movimentos, nas tuas palavras, nos teus olhos e na tua voz, para sentir bem se tu és firme, fiel, se me tens verdadeira estima, verdadeira amizade bem do fundo do teu coração virgem, bem do fundo do teu sangue.
Por minha parte, sempre te quererei muito bem, e nada haverá no mundo que me separe de ti, minha filhinha adorada.
Se o juramento que me fizeste dentro da igreja é sagrado, e se pensas nele com amor, eu creio em ti para sempre, em ti que és hoje a maior alegria da minha vida, a única felicidade que me consola e que me abre os braços com carinho.
Estar junto de ti, eu, que nunca dei o meu coração assim a ninguém, tão apaixonadamente, como te dei a ti, é, para mim, ser muito feliz. Quando estou a teu lado, Gavita, esqueço-me de tudo, das ingratidões, das maldades, e só sinto que os teus olhos me fazem morrer de prazer.
Adeus!
Aceita um beijo muito grande na boca e vem que eu espero por ti no sábado, como um louco.
Teu Cruz
In: TIN, E. (org) Para sempre – 50 cartas de amor de todos os tempos, 1ª edição, 2009, São Paulo, Ed. Globo, pp. 105-108.
2 Comments
Olá Prof Vitor
Excelente crônica. Que bela carta de Cruz e Sousa. Quanto lirismo é quanto amor!!!!!
Parabéns.
Meu Deus, que Crônica linda! Que amor para com a amada Gavita. A Crônica “me pegou” em um dia que estou muito sensível e até intolerante com muitas coisas. A Crônica fez com que eu refletisse e me acalmasse. Professor, obrigado.