

A São Paulo, não de 2025, mas a de 1982.
A São Paulo, não dos motoboys, mas a dos office-boys, meninos que corriam atrás de ônibus, que enfrentavam filas em bancos, repartições públicas, Receita Federal, Junta Comercial, Prefeitura e outros estabelecimentos, com suas pastas cheias de documentos e promissórias.
A São Paulo, não dos ônibus de agora, mas a dos ônibus azuis da CMTC, em que a gente entrava pela porta da trás e saía pela frente; A São Paulo, não dos trens atuais, mas da linha Santos-Jundiaí e Fepasa; a São Paulo com poucas estações do metrô; a São Paulo, não do Uber, mas a dos táxis sem o banco na frente, ao lado do motorista, que puxava a porta por uma cordinha.
A São Paulo dos estudantes com o uniforme da escola; a São Paulo das agências de viagens da sempre elegante avenida São Luiz; a São Paulo da Galeria Metrópole; do Center 3, na avenida Paulista. A São Paulo da Medieval, do HS, da Nostro Mundo e de tantas outras boates que marcaram época.
A São Paulo das saunas (que eu nunca frequentei) e dos cinemas (esses, sim!) onde homens se escondiam do preconceito e da violência policial porque cometiam o crime de gostar da companhia de outros homens. A São Paulo do Cine Arouche, do Cine Barão, do Cine Coral, do Cine Ouro, do Cine Windsor – todos que, entrando nos anos 80, não aguentaram a concorrência dos shoppings e a decadência do centro e passaram a exibir filmes pornográficos.
A São Paulo, não da Parada Gay, mas a São Paulo da chegada da Aids e das pessoas queridas que partiram, deixando uma tristeza e uma saudade que nunca passaram, nem passarão.
A São Paulo da Praça do Correio, onde tantas vezes fui despachar documentos do meu chefe para outras cidades e outros estados, enfrentando filas no grandioso e lindo edifício no Vale do Anhangabaú, junto com dezenas de outros office-boys.
A São Paulo do Mosteiro de São Bento, no qual tantas vezes me refugiei, na hora do almoço, à procura de paz e sossego, tentando aliviar a dor dos meus 18 anos.
A São Paulo, não da Amazon, mas da Livraria Siciliano – especialmente a da rua D. José de Barros – onde despertei para o cinema e para a música com suas revistas e livros importados.
A São Paulo dos Cines Metro I e II, do Cine Comodoro, do Cine Espacial, do Cine Olido, que fecharam suas portas pela falta de público. A São Paulo antes de teatros e cinemas virarem igrejas.
A São Paulo, não dos celulares, mas dos orelhões – azuis ou amarelos – e das linhas residenciais ou comerciais que custavam uma fortuna. A São Paulo, não do Whatsapp, mas das ligações locais, interurbanas ou internacionais que também custavam os olhos da cara. A São Paulo da Telesp, na rua 7 de Abril.
A São Paulo, não das TVs por assinatura (menos ainda do “streaming”), mas a São Paulo das antenas nos telhados das casas e dos bares que sintonizavam (muito mal) os seis canais abertos – Cultura, Tupi, Globo, Record, Gazeta e Bandeirantes.
A São Paulo que viu a chegada e a revolução dos videocassetes e a oportunidade de se alugar um filme ou gravá-lo da TV. A São Paulo das locadoras.
A São Paulo, não dos shoppings milionários como Iguatemi (que já existia) ou Cidade Jardim, mas de lojas como Mappim, Mesbla, Ducal, Jumbo Eletro e outras que não existem mais.
A São Paulo do Banespa e de tantos amigos que trabalhavam lá.
A São Paulo do Jornal da Tarde, do Notícias Populares, do Diário Popular – páginas mortas de tempos idos, nas quais, além das notícias, as pessoas procuravam emprego e todo tipo de ofertas. A São Paulo com suas bancas de jornais repletas de revistas masculinas e suas mulheres nuas.
A São Paulo das prostitutas que desciam e subiam a avenida Ipiranga depois das oito da noite; a São Paulo dos trombadinhas que, se comparados aos ladrões de hoje, eram meninos ingênuos e bobinhos.
A São Paulo, não mais da rodoviária no Glicério, mas do recém-inaugurado Terminal Tietê, aonde, diariamente, chegavam e continuam chegando tantos imigrantes e suas famílias esperançosos por uma vida melhor.
A São Paulo, não da desilusão e da maturidade, mas a São Paulo de tantos sonhos e projetos da minha adolescência; a São Paulo onde me apaixonei pela primeira vez e senti uma dor que nunca havia sentido antes.
A São Paulo que me viu sair aos poucos da casa de meus pais, porque, com sorrisos e lágrimas, eu estava me tornando um homem.
3 Comments
Crônica adorável, quanta recordação mesmo, me fez lembrar do meu pai, contava sobre as tardes com garoa, e sentia saudades dos bondes, São Paulo de todos, obrigada.
Linda Crônica, professor!
A São Paulo que me acolheu anos atrás, que me mostrou
muita coisa!
Que me fez chorar, rir e amar.
A São Paulo que me fez conhecê-lo, admirá-lo e amá-lo, meu grande amigo Vitor.
Olá Prof Vitor
Brilhante, comovente e deliciosa crônica.
Viva e pulsante.
É a minha história. Passei (passamos) por tudo isso. Oh Lord ….