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SALVOS POR FRANK SINATRA

Os “velhos olhos azuis” podem ser companhia para as mais variadas situações. Nada como uma boa música para embalar uma conversa agradável com um grande amigo, numa madrugada fria e chuvosa!

 

SALVOS POR FRANK SINATRA

       Qualquer pessoa que goste da vida noturna, que goste de sair para dançar em boates – hoje denominadas “baladas” – já deve ter ouvido, pela menos uma vez, aquela voz, bem lá no fundo da mente, pedindo para que a pessoa não saia, que fique em casa, porque a noite será uma roubada. E muitas dessas mesmas pessoas – senão todas – já brigaram com essa voz e saíram mesmo “sendo avisadas” de que a coisa não seria legal.

       Isso aconteceu comigo algumas vezes. Prestes a sair de casa, veio aquela sensação de que eu deveria tomar meu banho e não me aprontar para pista de dança, mas botar um moletom confortável, pegar um livro ou um filme de minha estante e ficar quieto na minha poltrona. Mas a gente é teimosa, quer porque quer paquerar, dançar, ver os amigos, sempre na esperança de que a sensação de uma noite ruim não passa de uma simples impressão. “Lógico que vai ser legal!”, dizem nossa inquietude e nosso desejo de agitação. Temos sempre a esperança de músicas bacanas, agradáveis, muitas risadas, casos para serem remorados depois etc. Tudo o que pode resumir uma noite de boa diversão.

       Vivi um desses episódios com um grande amigo, mais jovem, porém tão apreciador de boates quanto eu. Era um mês de julho ou agosto, noite fria, noite de sexta-feira. Fernando e eu combinamos de nos encontrar na boate no centro de São Paulo e lá fomos nós.

       Bem, a noite foi avançando e o que vimos começou a nos desanimar. Se há uma coisa que eu e esse meu grande amigo não toleramos é música ruim – o leitor certamente sabe do que estou falando: aquela música que vai entrando em nosso tímpano e vai nos irritando pouco a pouco! A primeira, a gente deixa passar; a segunda, também; a terceira começa a dar nos nervos e, na quarta, você já está com vontade de ir à cabine de som bater no DJ. Depois da quinta música ruim, você tem a certeza de que a coisa não vai melhorar. Repito: quem gosta de boate entende o drama. Tudo começa a ficar irritante: as pessoas, o atendimento no bar, a fila para ir ao banheiro, o mal educado que pisa no seu pé e faz que não sentiu etc. Um inferno! E você pensa: por que não fiquei em casa hoje?

       Como temos muitas afinidades, esse meu amigo e eu muitas vezes não precisamos verbalizar o que estamos sentindo – nós nos comunicamos pelo olhar, pela fisionomia. Houve um momento em que começamos a perder a paciência. A noite estava ruim, muito ruim. Nada naquele lugar poderia ser elogiado. Sugeri a ele que viéssemos embora, que viéssemos aqui para a minha casa. E isso era pouco mais de 3h da manhã. Até que aguentamos muito…

       Quando saíamos do lugar, fomos surpreendidos por uma garoa forte e bastante fria, bem fria. A madrugada estava gelada e tivemos de pegar um táxi para chegar aqui. E olhem que moro perto do “estabelecimento”…

       Ao chegarmos, sentimos um alívio incomum, pois quase nunca saímos de boates tão “cedo”. Mas o fato é que aquilo estava uma canoa furada. Insuportável é o termo correto. Minha primeira providência foi dizer para meu amigo tomar um banho, enquanto eu preparava alguma coisa para aquecer a noite. Depois, fui eu pro chuveiro.

       Fiz uma gostosa mesa de chá com pães, bolachas, bolo, geleia e não-sei-mais-o-quê, e tudo começou a ficar muito, muito melhor. Como não gosto de casa sem música, achei que deveria escolher algo bonito, mas adequado para a hora, para a madrugada que avançava. As opções eram muitas – como dois gays, poderíamos ter ouvido Barbra Streisand, por exemplo, ou mesmo uma coletânea de Burt Bacharach, escolhas que, tenho certeza, teriam agradado ao meu jovem hóspede. Minha escolha, porém, foi outra.

       Achei que, para salvar a noite com bom gosto e requinte, os “velhos olhos azuis” seriam a alternativa mais correta. E assim fiz!

       Frank Sinatra cantou para nós enquanto ríamos da noite (quase) desastrosa que estávamos protagonizando. Sua voz maravilhosa encaixou-se perfeitamente no ambiente, no horário, e nos socorreu naquela situação medonha que estávamos atravessando.

       Penso que esse contraste definiu bem aquele momento. Não sei de quantos homens saíram daquela boate, insatisfeitos com a música, e foram procurar algo melhor para ouvir e apreciar na noite fria de São Paulo. Não sei quantos se sentiram insatisfeitos como nós e tiveram como se safar daquilo tudo.

       Fernando é uma pessoa muito sensível, por isso soube apreciar aquela música, aquela voz que encheu minha sala e nos fez companhia até que decidimos dormir de puro cansaço. O dia já nascia. Antes, nossa conversa foi agradável, rimos de nossa própria condição e do programa horrível a que nos propusemos naquele sexta-feira. Por tudo isso, até hoje guardamos com carinho aquela madrugada que terminou de forma inusitada.

       Sinatra já fez parte de vários momentos de minha vida – alegres, melancólicos, felizes, eufóricos, tranquilos etc. Já até transei ouvindo um de seus discos. Foi ótimo! Mas foi a primeira vez que me desintoxicou de uma noite enfadonha. (Não me lembro nem de ter paquerado algum rapaz bonito naquela boate… acho que não havia!)

       Ítalo Calvino, escritor italiano, define um clássico como “uma obra que nunca terminou de dizer aquilo que tinha pra dizer”. Acho que a música de Frank Sinatra se encaixa perfeitamente nessa definição. Sempre há uma canção com um charme a mais, sempre há um sentimento a mais que não havíamos percebido antes – sua música e sua voz são atemporais, bálsamos para a alma.

       E são antídotos até para uma noite ruim numa boate gay qualquer!

Vítor França Galvão
Vítor França Galvão
Ariano, professor de português e cronista, é fã de Rubem Braga, Cecília Meireles e Graciliano Ramos (na literatura), de Bruce Springsteen (na música) e Bette Davis e William Holden (no cinema). Gay desde sempre, adora chocolate, filmes clássicos e viagens - principalmente para San Francisco, na Califórnia. Ama seus irmãos e amigos e não dispensa boas e animadas reuniões com eles. Escreve como forma de tentar entender melhor as pessoas e a vida.

5 Comments

  1. Ricardo Cano disse:

    Sinatra … a voz!
    Realmente, às vezes, a noite parece querer nos empurrar de volta pra casa de onde nunca deveríamos ter saído em alguns dias rsrs.
    Algumas veze somos nós os estranhos da noites; outras vezes, são outros os estranhos que passam e entram nas nossas vidas sem serem convidados e ainda deixam tudo bagunçado, rsrs.
    Nessas horas, nada como uma mesa de café e pães e uma boa música pra aliviar a alma 😉

  2. Fernando de Souza Andrade disse:

    Como um dos protagonistas desta história, ao ler cada parágrafo, foi como se estivesse vivendo, de novo, esta noite de sexta 🙂 Obrigado por mais um episódio de tantos que a vida já nos proporcionou e que é sempre bom “rememorar”…mais uma pro meu singelo vocabulário…clap clap clap Mr. Vitor!!!

  3. Roberto disse:

    Na minha época de JOVEM não suportava locais com música ruim. Sei que temos que ser tolerantes, mas mal gosto musical ninguém merece. Viva Frank Sinatra, Vitão! Parabéns por mais essa excelente crônica. Abraço

  4. Baltasar Pereira disse:

    Realmente são crônicas que falam de fatos que ocorrem em nossas Vidas. Quantas vezes este fato aqui narrado também aconteceu comigo. O gostoso depois é rirmos destas situações. Crônica leve e gostosa que nos faz viajar e rememorar cada um a sua maneira as canções marcadas pela voz inconfundível de Frank Sinatra..

  5. Clarice keri disse:

    Q texto ótimo de ler, e com toda razão, Frank sempre será um companheiro perfeito para uma madrugada com amigos.

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